Última fronteira da humanização da saúde

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O ano era 2018, eu estava no oitavo período do curso de Psicologia quando minha turma teve uma experiência de estágio em um grande hospital privado de Maceió. Alguns de seus andares, corredores e quartos, no entanto, eram reservados ao Sistema Único de Saúde, nosso querido e controverso SUS.

Lá desenvolveríamos atividades relativas as práticas da Psicologia Hospitalar, assim como procuraríamos analisar as questões e contradições existentes na dinâmica institucional daquele ambiente que, em sua ambivalência, carregava os aspectos mais sutis do adoecimento e das conceitualidades de saúde e cura.

Eu era novo porém astuto e crítico. Já tinha passado por muitas situações complexas durante minha trajetória na Psicologia e na vida. Mas ao olhar de perto o funcionamento do hospital, as dinâmicas e estruturas estabelecidas pelos sistemas de saúde posso dizer que tudo aquilo foi uma experiência entre o estarrecimento e a indignação.

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Com um olhar minucioso percebi as marcas das diferenças entre sujeitos em adoecimento. Eles tinham classe, raça, sexualidade, gênero, religiosidade, escolaridade e uma história de vida que sintetiza Alagoas em seus rincões mais profundos.

A regalia dos bons tratos estavam alicerçadas nos bairros de onde cada um veio, do interior que viviam, dos trabalhos que desenvolviam. Não há trégua para os marcadores sociais, as relações de poder e o status quo.

No adoecimento e no limiar entre sujeito e instituição, por vezes, se perdia a humanidade. A que profissional cabe resgatá-la? É uma categoria profissional nova que deveríamos criar? Uma nova profissão para empregar? Aqui entrariam em cena os “humanizadores” ou é o psicólogo que carregará nas costas esta missão?

Posso considerar alguns fatos importantes a respeito da Psicologia no Hospital: ela carrega a fronteira final da humanização nos processos de saúde e a possibilidade de escuta qualificada do sujeito em adoecimento. Mas sempre há um porém: terá de enfrentar a luta silenciosa pelo resgate do sujeito que se perde ao ser institucionalizado.

Ou melhor, ao ter sua identidade e necessidades sociais e psicológicas suprimidas por um sistema, uma visão de mundo compartilhada e endossada por categorias profissionais conservadoras, como a dos médicos, e que criam onipresença nas equipes, um modus operandi que reflete o macrossistema de relações sociais, culturais e políticas extra-hospitalares: o sistema biomédico e burguês.

Um SUS biopsicossocial está entre a fronteira final da humanização. Mas saberão os gestores, os assistentes sociais, os enfermeiros e técnicos manejarem os procedimentos de saúde com esta visão?

Poderão as famílias dos sujeitos em adoecimento compartilharem do que se convencionou chamar de “participação popular” e “controle social” do SUS?

Mas o que isto significa na prática? Deixará o médico o topo da pirâmide para escutar demandas dos profissionais “de baixo” (esta não é uma palavra escolhida por acaso, assim pensam e agem alguns) e de seus pacientes?

O conservadorismo e autoritarismo burguês que afundou o Brasil no terror aos pobres, as mulheres, aos pretos, indígenas e aos LGBTQIA+ aposta na perpetuação das linhagens aristocráticas. Alagoas reformulará por bem a sua história social de violência ou se houver vias de manifestações por uma saúde melhor o oprimido vira agressivo? O oprimido virará sempre quem atrapalha o processo?

Na última fronteira da humanização, o psicólogo hospitalar alagoano não só carregará nas costas esta missão como sempre será transgressor. Tocar a alma humana sendo apenas outra alma humana pode ser revolucionário demais para alguns, mas esta é a missão principal de qualquer bom psicólogo. Alagoas é de quem luta e resiste.

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