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O mutismo profissional dos psicólogos em Alagoas

Para entender o que silêncio político da Psicologia em Alagoas devemos olhar para o funcionamento socioeconômico do Estado. A principal razão para este movimento de indagação é a tendência histórica de forte imbricação entre o quefazer dominante em Psicologia e a “situação econômica e política” regional de Alagoas. 

O elitismo conservador é característica marcante neste território e a “conservação” possui vínculos diretos com a estrutura produtiva do Estado e a formação de sua classe dominante que é invariavelmente “gestora” da coisa pública. Isto é, o poder político e o econômico estão imbricados. As funções do Estado não possuem características impessoais, sendo a cidadania um aspecto não fundamental na organização social e coesão entre as classes. 

O aspecto “cidadão” do sujeito alagoano é sempre mediado por instituições enviesadas e opressoras. Sendo assim, não há uma cidadania imediata e universal, mas uma clivagem de concessão ou não da cidadania através de vínculos políticos e interesses pessoais. Isto envolve a negociação de cargos na administração pública do Estado que é um componente essencial na estrutura e dinamismo econômicos nesse território, consequência direta da pouca diversidade produtiva e alta concentração de terra e renda. Isto reflete, obviamente, nos indicadores sociais do Estado. Basta uma pesquisa rápida para vê-los; e são um dos piores do país.

Com esta forma específica de desenvolvimento histórico e econômico, a(o) profissional psicóloga(o) tem parte de sua influência de trabalho condicionada a esta estrutura econômica, política e social. Assim podemos vislumbrar por quais razões algumas áreas de trabalho que “não prosperam” no Estado, refutando a existência de uma profissão “dinâmica” e de “identidade polimorfa” que seria um componente “natural” da Psicologia, tão presentes na literatura sobre a profissão vindas do Sul e do Sudeste do país. Nossa principal hipótese é que se não temos uma infraestrutura econômica dinâmica, nossa “forma dinâmica” também fica restrita.

Vale o exemplo da Psicologia Social Comunitária, Psicologia Social do Trabalho, Psicologia do Esporte, entre outras, a própria de Psicologia Organizacional e do Trabalho e Escolar, estas últimas áreas sendo clássicas e tradicionais em Psicologia, não refletem em influência profissional significativa, mas se transformam em bolhas de conhecimento que quando não encontram vazão no cotidiano vão ser vendidas em minicursos e palestra sobre “as novas tendências em…” mas que a maioria das pessoas nunca verá, de fato, esta prática no seu dia a dia e não será fácil para a(o) psicóloga(o) ter seu posto de trabalho garantido.

O silêncio político da profissão, então, tem uma característica histórica óbvia: o sistema não comporta o trabalho de todos, assim como não consegue reestruturar os modelos teóricos e epistemológicos da Psicologia em direção diferente, ou que atendam demandas emergentes e públicos diferenciados do “tradicional”. A marca do elitismo da Psicologia é carregada de academicismo e de uma espécie de “misticismo” que envolve o profissional. A cultura popular, então, deixa de ser ouvida ou apenas é “comentada”. Resta a competição de todos contra todos e a ideologia do “nome” entra em ação.

O criar o “nome” é que dá status de profissional as(aos) psicólogas(os). O “nome” é a dificuldade inerente ao processo de profissionalização, marcadamente tomado por uma versão “clean” da “meritocracia”, já que é “natural” que as coisas aconteçam dessa maneira e igualmente “natural” que alguns fiquem de fora por não possuírem “competências” e “habilidades” específicas.

Isso nos leva a outros pontos de análise:

1) esquece-se que o “nome” em Alagoas traz conotações de privilégios de acessos e espaços de trabalho. Numa sociedade marcadamente pobre, com déficits educacionais intensos e com mobilidade social incipiente fica claro que alguns “nomes” se sobressairão. E estes nomes, é claro, carregaram com “habilidade” o título e status social de psicóloga(o).

2) Os espaços de construção da profissão (Universidades, Sindicato e Conselho Regional de Psicologia) são vistos de maneira inalcançável pelas(os) psicólogas(os), já que os que fizeram um bom “nome” são legitimamente donos e “gestores” da profissão. Logo, é natural que ali estejam assim como é natural uma atitude de submissão, não questionamento dos exclusivismos destes espaços.

3) Cria-se uma espécie de personalismo nas figuras da “gestão”, ou seja, só é possível pensar um “quefazer” psicológico a partir destas figuras e de suas propostas. Apesar do Conselho Regional de Psicologia ser um espaço coletivo de representação profissional, na prática, apenas os “de dentro” podem propor ações, assim como os “de fora” são espectadores, coadjuvantes da profissão, uma espécie de lupen psicóloga(o), calado está e ficará.

A marca da opressão, no entanto, não deixa de estar presente antes da(o) profissional psicóloga(o) se formar. É parte constitutiva da “alagoanidade” real, na representação do universo político de submissão comum aos municípios e nas estruturas institucionais da dominação.

O que parece anacronismo com tempos “pretéritos” da história do Brasil, como o coronelismo da Primeira República, retorna de maneira “moderna” ao imaginário popular e na representação do poder dando um caráter excessivamente personalista aos “representantes da profissão” aos “antigos professores” aos quais todos precisam ser muito gratos e admiradores. O conhecimento adquirido na formação está ali “graças a fulanos e sicranos” e o que há é a repetição de posturas, uma estrutura de privilégio dos “modelos da profissão”, quase sacralizados.

A característica central aqui é a não participação e pertença, a dificuldade de incluir-se na “Psicologia” pois apenas os “modelos” fazem parte dela. Os estudantes, trabalhadores em Psicologia que não estão nestas estruturas e as(os) desempregada(os), não. Não há o que explicar, ou está dentro ou está fora, é natural, imutável e legítimo a não participação de alguns e a não existência do “sem nome”.

Esta posição definitiva, rígida e fechada é reflexo do conteúdo opressor da colonização. É uma característica marcante nos estudos sociais, econômicos, antropológicos e históricos em Alagoas (Cícero Péricles, Diegues Jr., Beatriz Alasia, Álvaro Queiroz, Ana Claudia Laurindo, Sávio Almeida, Alice Anabuki, Odilon Rios, etc.). Ora, o componente decisivo neste tipo de relação social é o mutismo e a não participação. Cria-se um modo “corporativista” de fazer Psicologia no Estado, numa espécie de hierarquia e não uma democratização da Psicologia. O conteúdo psicossocial desta tendência é o fatalismo, pois se não há critica não há esperança. Se não há esperança não há participação.

Se consideramos que parte das(os) psicólogas(os) estão imersos neste processo e não nele ou com ele, revela-se uma característica não apenas problemática, mas denuncia a existência de um dogmatismo preocupante, de um autoritarismo velado e de uma manifestação político-cultural da elite alagoana no cerne de uma profissão que tem como base ética os Direitos Humanos.

Urge humanizar a Psicologia em Alagoas e com ela a população alagoana. A libertação da Psicologia é um objetivo que deverá movimentar estas bases e raízes históricas que aprisionam o conhecimento psicológico, que ignoram as demandas populares e as aspirações de mudança de um povo. Se existe uma posição de escuta e intervenção para as classes dominantes alagoanas que confortavelmente sentam em divãs, quem ouvirá o agricultor, o comerciante, o pescador e o cortador de cana que trabalham em pé?

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