Sem plano diretor, Maceió está na contramão do mundo

Nova ciclovia na Avenida Fernandas Lima em Maceió, um dos poucos lugares arborizados na capital. Foto: Jonathan Lins/Secom Maceió

Sem cumprir ou revisar o Plano Diretor de 2005, Maceió segue na contramão do mundo quando se fala em gestão ambiental e ações para mitigar consequências das mudanças climáticas. A falta planejamento participativo no processo de urbanização e alinhamento político-ideológico com a extrema-direita são impedimentos ao desenvolvimento sustentável.

O Brasil está entre os dez países que se sentem mais fragilizados em relação ao meio ambiente: 84% dos brasileiros expressam um sentimento de vulnerabilidade ecológica e climática, ante 71% da população mundial, diz pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Outro estudo, também da Unifesp, mostrou que toda a costa brasileira já está sofrendo algum impacto das mudanças climáticas em relação à temperatura do ar. Maceió não é exceção.

No ano de 2015, uma pesquisa feita pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e apresentada no Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto em João Pessoa (PB), constatou a ocorrência de variações de temperatura entre 27º e 37º em Maceió (veja aqui).

O fenômeno se relaciona com a criação, ao longo do processo de urbanização, de ilhas de calor. Este evento ocorre em áreas urbanas e se caracteriza pela elevação da temperatura nas cidades em relação a seus arredores, como a zona rural.

Na pesquisa, as ilhas de calor mais intensas estavam localizadas nos bairros do Vergel do Lago, Ponta Grossa, Levada e Trapiche da Barra, locais com menos cobertura vegetal e áreas verdes e também localizadas em regiões consideradas periféricas na capital. A região que demonstrou menor temperatura correspondia ao Parque Municipal de Maceió, área de preservação ambiental.

“A resposta térmica da área urbana demonstrou que a urbanização seguida dos baixos índices de vegetação é responsável pela distribuição das altas temperaturas, gerando ilhas de calor em alguns bairros, nos quais a população residente está bastante sujeita ao desconforto térmico”, conclui o trabalho.

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Outra pesquisa, também realizada pela Ufal mas publicada em 2021 (veja aqui), comparou a variação térmica entre as cidades de João Pessoa e Maceió. A capital alagoana apresentou temperaturas mais altas, sobretudo nas áreas mais urbanizadas. João Pessoa, ao contrário, teve menor variação de temperatura, dado que se associa a presença de cobertura vegetal mais intensa.

“O comportamento de temperatura nas duas cidades é um importante sinal de que a gestão do solo, quando considera a importância da cobertura vegetal, influencia positivamente o clima, diminuindo variações de temperatura”, afirmou o estudo.

O Repórter Nordeste procurou a Secretaria do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Semarh) para questionar se já existe a procura de soluções para o problema. O estado admite que há déficit arbóreo em Maceió.

“A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda que seja 12 m² de área verde por habitante, não temos nem 3 m². Como essa ação específica na capital deve ser desenvolvida pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente, estamos trabalhando em um projeto de construção de viveiros em áreas estratégicas do Estado, tendo como parâmetro os Consórcios Intermunicipais de Resíduos Sólidos para nos apoiarem nesta iniciativa. Entretanto o nosso projeto ainda não decolou, está em fase final de elaboração, mas o assunto é muito importante e dialoga diretamente com as ações de mitigação aos efeitos das mudanças climáticas que estão em curso”, esclareceu o superintendente da Semarh, Marcelo Ribeiro.

Apesar do Plano Diretor de Maceió prever a elaboração e implementação da um Plano de Arborização Urbana, – nas áreas públicas, incluindo as de lazer – na prática, ainda não conseguimos implementar o que diz o PD.

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Para Marcelo Ribeiro, uma das razões para a questão climática e o bem-estar ambiental não despertar o interesse do debate público em Alagoas está na falta de educação formal, mas também associa o fenômeno ao negacionismo climático e a discursos político-ideológicos da extrema-direita que fundamentam o recuo na construção de políticas públicas eficazes.

“Os assuntos ligados ao Meio Ambiente são considerados complexos por grande parte da população mundial, aqui existem preocupações mais imediatas, como alimentação, segurança, emprego etc, então as questões ambientais ficam relegadas a um plano secundário. Por outro lado, com o bolsonarismo, o negacionismo climático e a repulsa às questões ecológicas ganharam um impulso muito grande, regredimos cerca de 50 anos, na medida em que na década de 70 se discutia o desenvolvimento a qualquer preço, quando hoje o mundo procura, ainda que com enormes dificuldades, o desenvolvimento sustentável”, diz Ribeiro.

A Superintendência Municipal de Desenvolvimento Sustentável (SUDES) disse ao Repórter Nordeste que existe a pretensão de iniciar um plano de arborização ainda este ano, mas por enquanto nada está sendo executado. Informou ainda que a Prefeitura tem realizado o plantios de árvores em antigos pontos de lixo, em praças, espaços públicos e canteiros mas não com um plano por trás.

Para a professora de Arquitetura e Urbanismo da Ufal, Débora Fonseca, a explicação do não cumprimento do PD está alem da falta de boa vontade de gestores:

“A não existência de planos participativos deixa a cidade nas mãos do capital privado, cuja única preocupação é o seu lucro. A revisão do plano diretor define áreas onde pode construir ou não, áreas de preservação ambiental, envolvendo mobilidade, saneamento, arborização, acessibilidade, etc”, afirmou.

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