Sem atualizar plano diretor, Maceió expõe suas divisões

As diferenças de infraestrutura entre os bairros de Maceió são evidentes. A orla marítima, privilegiada pelas práticas turísticas e pelo paisagismo turístico, tem as ruas limpas, melhores habitações, mais ambientes públicos para práticas esportivas e de lazer e consequente maior qualidade de vida.

Ao contrário, os bairros mais pobres nem sempre possuem saneamento básico, as escolas estão sucateadas e os ambientes públicos de lazer muitas vezes são vítimas de abandono.

A capital virou notícia nacional em 2015 por apresentar a pior colocação entre as regiões metropolitanas estudadas (vinte no total) no Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM).

A pesquisa evidenciou um dado alarmante: uma criança que nascesse em um bairro pobre de Maceió viveria 14,44 a menos que nos bairros mais ricos. As diferenças de IDH entre os bairros da Ponta Verde (0,956) e Benedito Bentes (0,522) são uma enorme fratura social e econômica que a sociedade precisa encarar.

Não há como ignorar os problemas que surgiram da aglomeração e crescimento demográfico da capital mas também a acentuação das desigualdades nos últimos anos. O crescimento da população veio acompanhado de elevação da pobreza e piora na qualidade de vida.

O caso de afundamento de bairros em Maceió é um agravo que evidenciou questões importantes que já existiam, mas que tomaram dimensões públicas e midiáticas mais contundentes.

O que está em jogo é a configuração dos espaços destinados às pessoas, suas atividades, os serviços e estruturas habitacionais que precisam e os interesses que geram conflitos entre moradores endinheirados, empresários da área do turismo, do setor imobiliário, a população trabalhadora e periférica e o poder público na produção do espaço urbano.

Nessa correlação de força, grande parte da população em Maceió precisa escolher entre pagar o aluguel e comer. Em 2020 a renda per capita da cidade foi a segunda menor do Brasil de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Em Alagoas, a renda per capita mensal é de R$ 935 ficando à frente apenas do Maranhão, com R$ 814 em rendimento, bem menor que o salário mínimo nacional. Não há como esconder os esforços que precisam ser bem aplicados para lidar com o déficit histórico em relação a moradia. Por outro lado, parte da cidade pode afundar, o que só agrava conflitos sociais em torno do espaço urbano.

O Repórter Nordeste entrevistou a coordenadora do Movimento de Trabalhadores Sem-Teto em Alagoas, Eliane Silva, sobre a luta por moradia e direito à cidade na capital. Para ela a população de Maceió precisa conhecer melhor os espaços de luta e entender que os espaços urbanos em disputa são conquistas políticas.

“Vou te dar um exemplo: em São Paulo quando o movimento faz uma ocupação, em questão de meia hora tem quatro, cinco mil famílias que são nordestinas, que saiu para tentar a vida na cidade grande. O custo do aluguel é muito caro e eles optam a se organizar no movimento para conquistar a sua moradia. Aqui em Alagoas, sobretudo aqui em Maceió, as pessoas que não estão organizadas em movimentos sociais (…) elas não tem essa expectativa de fazer a luta pela moradia, de buscar reconhecer que só através da luta que se muda a vida”, explicou.

Para Eliane, que luta por uma cidade menos desigual, o desastre causado pela mineradora Braskem criou situações insustentáveis para quem vive com menos de um salário mínimo ou são beneficiários do Bolsa Família e não possuem casa própria.

“As pessoas não aguentam mais pagar, o preço do aluguel subiu muito, a Braskem desabou quatro bairros de Maceió, se encontra impune ainda (…) e o aluguel na periferia chega a R$ 500, R$ 600 reais (…) essa é a situação do povo de Maceió. As ocupações crescem como crescem também o número de famílias que não tem moradia”, afirmou.

“Nós temos com o prefeito de Maceió a reivindicação do Plano Diretor, junto com outras organizações sociais, [a Prefeitura] não pautou. Então, a gente entende que não está tendo diálogo para atender a pauta de quem está na periferia (…) se o governo não responde a pauta do povo o movimento vai fazer pressão.”

O Plano Diretor aprovado em 2005 não foi implementado em sua totalidade, deveria ser revisto, conforme a lei 10.257 (Estatuto das Cidades), em 2015. No entanto, apesar de já existirem tentativas de criar um novo plano, até o momento não houve movimentação da Prefeitura para reativação do Conselho do Plano Diretor para elaboração do novo Plano Diretor Municipal de Maceió (PDMM).

“O Plano Diretor é a base legal do desenvolvimento e respeito a vida, os direitos e o respeito ao meio ambiente. Toda organização social que luta pelo direito à cidade precisa defender a participação popular na construção ou revisão do Plano Diretor. Essa é a nossa pauta.”, esclareceu Eliane.

No dia 01 de março deste ano, o vereador Valmir Gomes (PT) conseguiu aprovar um requerimento para reativação do Conselho. Na ocasião, Valmir defendeu a participação da sociedade na construção do PDMM.

“É necessário que a prefeitura reative esse Conselho do Plano Diretor para que os segmentos organizados da sociedade possam contribuir com a discussão da matéria. Nós temos conhecimento que ele está sendo trabalhado, mas é preciso que ele ecoe nos corações e nas mentes dos maceioenses para que possam conhecer e colaborar com sua elaboração”, disse.

Em meio a polêmicas sobre reestruturação de espaços públicos como o Corredor Vera Arruda, a Prefeitura de Maceió terá de tomar decisões contundentes para sanar as consequências de uma cidade partida ao meio. Nunca se discutiu tanto os rumos da urbanização da capital como agora. É uma chance importante para democratizar o planejamento urbano.

A professora Ana Paula Acioli, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), disse em entrevista à Rádio Ufal no ano passado que a retomada do debate para a construção de um novo PDMM deve levar em consideração as modificações que ocorreram entre 2005 e 2023, entre elas:

  •  O desastre causado pela mineração da Braskem;
  • A expansão da cidade para além de sua área urbana;
  • O esvaziamento de suas áreas centrais como Centro e Jaraguá;
  • Ação e estruturação de áreas socialmente vulneráveis;
  • O esgotamento de áreas já extremamente densificadas;
  • Construção de novas vias que estão sendo implantadas.

“Se tratando desse grande desastre urbano, podemos dizer que a cidade de Maceió se encontra territorialmente, economicamente e, principalmente, socialmente impactada. Temos os cinco bairros, que são: Pinheiro, Mutange, Bom Parto, Bebedouro e Farol, que estão destruídos (…) o que fazer num território desfigurado? Planejar, nós temos que pensar. E ainda não se trata de um efeito apenas naquele perímetro, que foi definido como perímetro de risco, mas o efeito se dá em toda cidade de Maceió”, alerta Acioli.

Ela também afirma que as propostas de discussão para o Plano Diretor “pararam no tempo”, fazendo alusão às oficinas e audiências públicas entre os anos de 2015 e 2016. Esse hiato, segundo ela “demonstra um claro desinteresse no debate público pela Prefeitura de Maceió”.

Os problemas e impactos urbanos acarretados pelo desastre ambiental levaram os antigos moradores à procura de novos territórios de alocação, onde procuram ter acessos a serviços públicos – via de regra já lotados pelo atendimento da população que morava no local – e a construção de novas relações com o lugar para a reestruturação da vida. Para planejar é preciso transparência e diálogo.

“Nada disso foi resolvido de forma transparente ou está sendo resolvido de forma transparente em termos de planejamento urbano, de planejamento para o futuro da área. É lógico que isso é matéria de debate público, está no âmbito da planejamento urbano, no Plano Diretor da cidade. A gente vê que essa falta de transparência causa grande prejuízo, pois o Plano Diretor é uma construção coletiva e os problemas coletivos precisam ser resolvidos e discutidos de forma participativa.”

“O Plano Diretor se torna um documento, é uma lei, é uma política pública, que contam ali diretrizes para a cidade. Ele precisa de permanente atualização, nem pode ficar engessado. Estamos com um plano de 2005 (…) toda cidade tem essa dinâmica que precisa ser acompanhada”, conclui.

A Prefeitura de Maceió foi procurada pelo Repórter Nordeste e questionada sobre como está caminhando este processo de avaliação e planejamento de um novo Plano Diretor para Maceió.

O Portal também perguntou se havia alguma previsão de convocação da sociedade civil organizada para participação das discussões sobre o novo Plano. Até o momento, não houve resposta.

Uma resposta

  1. Parabéns pela excelente matéria, Silvio e Odilon. Muito apropriada para o momento que atravessamos.

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