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Pode haver salvação para o pobre de direita?

Aprendi muito cedo que lutas sociais sérias não requerem resultados imediatos, porque as estruturas que são alvos da desejada transformação têm suas resistências em bases antigas, por essa razão, todo trabalho voltado ao arejar de ideias, concepções e atitudes, precisa contar mesmo com a paciência dos semeadores.

A sociedade é meu livro diário. Nele leio e também escrevo. Mas acima de tudo, por ele passeio e convivo, interagindo com a curiosidade de uma menina e a audácia de uma cidadã.

O cerne político da minha história é farol nestes mares nem sempre iluminados, nem sempre pacíficos! Estamos em plena tempestade, e não menosprezamos os perigos.

Algumas categorias sociais despertam mais de perto a sanha do pesquisador, e nesta abordagem me refiro àqueles que ora estão sendo designados como “pobres de direita”.

Na visão corriqueira o “pobre de direita” é a representação do indivíduo de baixa renda, renda mediana ou até mesmo sem renda, que age identificado com a manutenção do status quo ao qual não tem acesso, favorecendo política e economicamente camadas sociais situadas entre classe média alta e classe rica.

Os posicionamentos políticos do pobre de direita costumam ser veiculados pelos canais de sustentação ideológica da sociedade capitalista, patriarcal; firmados sobre a rocha da moral tradicional, que o senso comum ergue e sustenta como a única legítima, conduz a reprodução desde o núcleo familiar, mas instituições escolares e religiosas também absorvem e repassam como verdades inquestionáveis.

A partir desta constatação, será que é possível deixar de ser um “pobre de direita” após receber todos estes condicionamentos?

Em diálogo espontâneo com alguém que se autodeclarou “ex-pobre de direita”, descobrimos que sim, é possível se libertar do manto comum jogado sobre o entendimento, quando algumas situações favorecem o despertamento individual.

No depoimento foi dito: “Sou filho de pedreiro e empregada doméstica. Minha família sempre se informou pela Rede Globo. Recebi uma educação machista, homofóbica e racista.”

A educação machista está na essência da família patriarcal, preservando os estereótipos de mulher e homem, na escala da desigualdade de direitos e distribuição estanque de papéis sociais e culturais. Grande parte das famílias educa seus filhos neste modelo de manutenção. O fato de ser composta por indivíduos que trabalham nas profissões mais desvalorizadas monetariamente apenas reforça a tendência de repetir modelos que se apresentam como legítimos e seguros.

Homofobia é temática carregada de tabus, pelo alto grau de rejeição que historicamente transfere aos que desafiam o patriarcalismo e a heteronormatividade; cenário aproveitado pela onda conservadora que invade alguns ambientes religiosos.

Racismo é desafio permanente à sociedade brasileira, que constituiu sua classe dominante branca sobre as costas e ancas de escravizados negros, por isso, uma pseudo-legitimidade para ser racista entrou com a história nos lares do Brasil.

“Fui ser militar por falta de opção. Fiz Administração de Empresas. Mas só quando fui aprovado em um concurso federal, com mais tempo para ler e conhecer outro mundo, comecei a despertar.”

Para não endossar preconceitos relativamente aos militares, consideraremos que a história da militarização brasileira não preparou o próprio ambiente institucional de modo que facilite percepções de mundo para além do tradicional ou daquilo que represente o poder.

Quando a mudança nas condições de trabalho elevou a qualidade de vida, foi possível conhecer “outros mundos”. Um contato que provocou despertamento.

Uma parte do depoimento, contudo, é reveladora da força interpretativa que uma educação à direita, com requintes de ortodoxia, pode programar para o indivíduo executar: o ódio sem motivo aparente.

“Lembro que era militar. Saímos do governo FHC que foi muito duro com os servidores públicos e militares, e quando entrou Lula, mesmo ele dando aumento pra gente, fazendo um bom governo, eu o odiava sem saber o porquê.”

Mesmo com a saída de um governo “duro” para os trabalhadores em geral, a entrada de um governo de esquerda abalava convicções que sustentaram toda a história de vida, incluindo relações e crenças.

O senso comum perverso espalha há quantos séculos as sementes do ódio à esquerda? Associando aquilo que não serve para o bem estar da família tradicional, às políticas ditas “revolucionárias”?

Assim estão muitos brasileiros neste exato instante, a destilarem ódio inexplicado ao que represente “revolução”, e cada segmento justifica a seu modo, se tornando assim, alvo fácil para o arrebanhamento através de lideranças que agreguem propostas de manutenção da “segurança ameaçada”.

Lamentavelmente, outros segmentos foram escolhidos para o sacrifício na fogueira inquisitória que o poder de influência midiática espalha através da rede televisiva e internet. Feministas que ameaçam o patriarcalismo e suas verdades acerca da mulher, homossexuais que recusam a pecha de maldição e assumem amor e autonomia na cara da heteronormatividade , negros que conquistaram espaços antes reservados aos brancos e vestem terno e jaleco, entre outros pontos de vivências societárias que ampliam direitos, são compreendidos como ameaçadores da família, da moral e dos bons costumes; e supostamente não encontrariam apoio em plataformas de governos direitistas.

O discurso criado para odiar tem se resumido à corrupção, e a realidade mostra todos os dias que até mesmo esta indignação é seletiva. Quando a corrupção explode no campo da direita é tratada com normalidade pelo mesmo cidadão que exala ódio à esquerda porque ela é corrupta.

O protagonista-mor desta cena é o “pobre de direita”, justamente porque a quantidade de pobres no Brasil que a direita governa desde a colonização é superior a quantidade de ricos.

Mas enquanto há vida, há salvação, assim provou o nosso personagem.

Salvemos-nos!

Uma resposta

  1. O mestre do rap, artista iluminado, Criolo já profetizou : “As pessoas não são más, elas só estão perdidas, ainda há tempo”…(e outro mestre que sofreu a maldade humana pediu por eles : “perdoa pai, eles não sabem o que fazem”)

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