Participação Política: sim um direito! Mas um dever!

Marcelo Henrique

Os censos demográficos têm evidenciado que a maior parte da população brasileira se encontra até os setenta anos de idade, apesar da longevidade ser uma das marcas das últimas décadas. Isto significa dizer que muitos estiveram presentes nos chamados “anos de chumbo” ou receberam os reflexos desta “página infeliz de nossa história” (Chico Buarque). O caudilho Leonel, saudoso, sempre se referia aos “filhotes da ditadura” para repreender aqueles que buscavam limitar os direitos e se locupletar dos cargos públicos, mas, penso, a alcunha serve para em plano mais amplo, diagnosticar a imensa maioria do povo tupiniquim nestes últimos setenta anos (1950-2020).

O regime militar provocou em um sem-número de pessoas um torpor e uma apatia políticos, provocando dois efeitos muito negativos: um, o de que os agentes políticos sejam pessoas com missões destacadas e superiores à massa dos “comuns”; outro, o de que (quase) ninguém deva se interessar por política, deixando isto para os “interessados”.

Os escândalos que se repetem, dia após dia, no cenário governamental e legislativo apontam para a (praticamente) total descrença da sociedade em suas representações políticas, ainda que, sociologicamente, as organizações sociais, públicas ou privadas sejam o reflexo e a extensão das próprias individualidades. Ou seja, não é possível desejar – apenas – uma melhora nos panoramas e cenários sociais sem investir na própria transformação individual que irá desembocar, naturalmente, no melhoramento coletivo.

Em cada eleição nos perguntamos por que não retiramos algumas laranjas podres do cesto e repomos outras sem as mazelas conhecidas. E, também, por que não damos chance aos que nunca participaram de atividades representativas, no Executivo e no Legislativo. Por um lado, reclamamos que “políticos são todos iguais” e, por outro, não confiamos em “gente como a gente” para nos representar. Esta dualidade é, no mínimo, contraditória. O comportamento usual parece ser o do gado que confia no fazendeiro e, quando tem a chance de se transformar em gestor da propriedade, prefere continuar subordinado e se dirigindo ao matadouro…

No século XIX, um dos maiores filósofos da Economia de todos os tempos, Stuart Mill, já destacava que a participação eleitoral – que não se resume à obrigatoriedade do voto – tem grande valor educacional, porque, dizia ele, falando ao operário de seu tempo, a discussão política faz com que ele erga o olhar para além do horizonte limitado e repetitivo da fábrica para perceber a conexão entre eventos aparentemente distantes e o seu interesse pessoal (que sempre se pronuncia), para, enfim, estabelecer salutares conexões com os seus iguais, os cidadãos, materializando o sentido de comunidade.

Vivemos tempos do Absolutismo da política, em que se veneram ídolos de barro que assumem posição de destaque em agremiações partidárias ou são guindados, desde o Município até a Nação, aos postos de liderança dos três poderes, grande parte deles por eleição (direta ou indireta), segundo o regime constitucional republicano. As redes sociais amplificam o inócuo debate entre a defesa (intransigente, até) da “moral” de certos vultos da nossa contemporaneidade, seja os que estão atualmente no poder seja os que nele, recentemente, estiveram. O debate – se é que podemos assim chama-lo – não se situa na resolução dos graves problemas sócio-econômico-políticos de nossa Era, mas, sim, em justificar ou aniquilar as ações de certos líderes ou governantes.

O fla-flu político prossegue no zero a zero, sem a discussão, verdadeira e real, dos fundamentos da sociedade, da extensão dos poderes públicos, do financiamento social às ações governamentais, das reformas sociais urgentes, da redução do tamanho do Estado (leonino e insaciável) e da acessibilidade dos que estão – de novo – na linha de pobreza e abaixo dela, em nossa sociedade de contradições.

Castas e classes são revisitadas e permanecem em lutas incessantes e a emancipação de muitas delas, como disse Engels, deve fazer parte da luta política, preferencialmente pacífica, porquanto ideológica, mas requer empenho e disponibilidade dos atores que estejam mais despertos do que a maioria. Neste sentido, entendo que devamos buscar a “aproximação psicológica” entre os “afins”, com base na comunhão (verdadeira) de valores, interesses e objetivos, uma espécie de seleção natural-social, que nos permita estar em contato e compreender-nos mutuamente, reduzindo as distâncias que levam tanto à apatia quanto a inação – com cada qual se ocupando, apenas e tão-somente, com sua “vidinha” e suas dificuldades pessoais.

Tenho receio de que as novas castas estejam se formando a partir de um elemento que, embora faça parte das raízes humanas, ideal e positivamente como a religiosidade, traveste-se no religiosismo exacerbado, que afasta, impõe, segmenta e extingue diálogos, porquanto baseados em “convicções de fé” que alguns desejam ser impostas a todos. Os “terrivelmente” religiosos não são bem-vindos ao Estado laico e social, já que a liberdade de culto, de crença, de pensamento e de religião são as maiores conquistas egressas da Revolução Francesa, tanto no sentido de livre escolha quanto de convivência pacífica e lado a lado das inúmeras concepções da religiosidade.

Maiorias são sempre preocupantes, do ponto de vista ideológico-político-social, porque elas buscam conformar as minorias às suas próprias convicções, tendendo a demonizar os diferentes. Em contraponto, as principais mudanças dos três últimos séculos foram iniciadas, todas, por minorias que, conscientes, seguras quanto aos caminhos a escolher e confiantes em lideranças competentes e éticas, mudaram os panoramas da História.

Ao direito de participação social se impõe o dever que se traduz na postura de eleitor consciente e participante das diversas discussões políticas (como, por exemplo, o comparecimento em audiências públicas e sessões do legislativo, assim como a cobrança de atitudes por parte, principalmente, dos representantes dos parlamentos), e se completa com a frequência e ocupação de espaços em entes associativos e sindicais (como conselhos comunitários, associações de moradores, clubes, entidades profissionais, de pais e mestres, de trabalhadores ou servidores públicos, entre outros).

Lembremos o filósofo grego, responsável por anotar e difundir a sabedoria de seu mestre, que alertou ser desgraça aos que se desinteressam na política serem governados pelos que se interessam (pessoal e ilicitamente, as mais das vezes) e vivem DA política, como profissão e fonte de dinheiros outros. Até quando, então, seremos os desgraçados?

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