Era uma vez… um canal, no sertão

Ou seja, pelo menos por mais algumas eleições, podemos prever qual será a principal proposta do candidato governista e de oposição. Triste cenário para o quase sempre seco e carente sertão alagoano
Era o ano de 1992. Alagoas ainda passava pelas mãos do único mandato de Geraldo Bulhões no governo do estado. Collor passava pelo seu inferno presidencial, sendo cassado pelo congresso. A capital Maceió surpreendia, elegendo o “lanterninha” Ronaldo Lessa prefeito. Nesse cenário político conturbado, nebuloso, surgia um dos mais polêmicos e controversos projetos já lançados por essas bandas: o canal do sertão alagoano.
Concebido como uma solução definitiva para o crônico problema de falta de água no agreste e sertão do estado, o projeto surgia como mais uma esperança de prosperidade na escassez do ecossistema dessa região, representando principalmente acesso à agricultura irrigada, em áreas onde as chuvas são raras, quando não inexistentes.
O projeto técnico era ambicioso: 250 km de canal, de Delmiro Gouveia até o povoado de Folha Miúda, já em Arapiraca. Bombas de sucção, estações elevatórias, complexos de distribuição e melhorias estruturais eram alguns dos ítens previstos. Claro, desde o começo, tudo financiado pelo governo federal, com uma pequena contrapartida (10%) do governo do estado. O orçamento, já corrigido algumas vezes (sempre pra cima, ressalte-se), já encontra-se atualmente na casa dos 531 milhões de reais, dados oficiais do Ministério da Integração Nacional.
Mas aí, passou o tempo… Bulhões terminou seu mandato, cinco outros governadores passaram pelo Palácio dos Martírios – depois substituído pelo Palácio de vidro – e o projeto técnico, idealizado e iniciado há longos 20 anos, permanece em fase de implantação, longe de fornecer as primeiras gotas de água ao agricultor do agreste e sertão de Alagoas.
Passaram-se os anos, e a execução do projeto ainda está, segundo dados do mesmo ministério, na primeira etapa. Pior, não há previsão para início da segunda etapa, tampouco para o fim da primeira. Acontece no canal do sertão aquele velho vício que vemos sempre quando é o dinheiro público que financia: a burocracia emperrante, a politização da imagem.
Aliás, nesse último aspecto, o governo atual tem sido dos mais efusivos. Utilizando-se da mesma regra que o reelegeu governador do estado em 2010, Teotonio Vilela (PSDB) não tem poupado propaganda quando o assunto é canal do sertão. Utilizando sempre a mão alheia – ou seja, recursos do governo federal – Vilela deu ampla publicidade a instalação das bombas de sucção e a construção dos primeiros 45 km da obra. Ora, se as informações divulgadas pela propaganda oficial estão corretas, em outros 16 anos nada se fez em todo o projeto.
O fato é que nos últimos 10 anos, todos os gestores, no exercício do mandato, utilizaram o canal do sertão como propaganda eleitoral. Num estado onde 50% do eleitorado é analfabeto funcional, é devastador o efeito de uma propaganda mostrando o milagre da água na torneira do sertanejo. Cientes disso, os marqueteiros tomaram conta da agenda política, transformando cada vez mais a conclusão desse projeto em proposta para as proximas eleições.
Ou seja, pelo menos por mais algumas eleições, podemos prever qual será a principal proposta do candidato governista e de oposição. Triste cenário para o quase sempre seco e carente sertão alagoano.
Em tempo: Há uma semana, esteve visitando as eternas obras do canal do sertão o atual ministro da Integração Nacional, Fernando Bezerra. Ele é do PSB, partido da base do governador. As visitas ao canal do sertão ocorrem sempre em… ano eleitoral.

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