De olho no futuro

Pesquisas apontam o surgimento de novas profissões demandadas pelas mudanças sociais e tecnológicas ocorridas nos últimos anos

Revista Ensino Superior

O mercado de trabalho ao longo da próxima década vai criar oportunidades para carreiras profissionais diversas, algumas das quais ainda nem existem, como também demandar profissionais com visão de negócios voltada para a inovação, qualidade de vida e sustentabilidade. A formação de mão de obra para atender a essa nova realidade é um desafio que as instituições começam a encarar não só com a oferta de novos cursos em áreas diferenciadas, mas também com mudanças em sala de aula e a introdução de metodologias de ensino inovadoras.

Estudos e pesquisas mais recentes sobre profissões do futuro revelam que a globalização, o envelhecimento da população e as tendências sociais, tecnológicas e de negócios vão demandar novos postos de trabalho. Um desses levantamentos, realizado pelo Programa de Estudos do Futuro (Profuturo), da Fundação Instituto de Administração (Fia-USP), revela que a inovação, por exemplo, terá influência cada vez mais forte na competitividade das empresas, impulsionando carreiras como a de Chief Innovation Officer, responsável por promover a pesquisa e as inovações nas companhias.

“Todas as novas profissões exigem visão mais abrangente do que as tradicionais”, diz o professor do Profuturo Daniel Estima de Carvalho. Realizado com base em entrevistas de executivos de diversas áreas, entre as quais recursos humanos e estratégia, além de empresários, o levantamento do Profuturo elencou 20 carreiras emergentes até 2020. A lista é liderada pelo cargo de gerente de ecorrelações, responsável pela comunicação com consumidores, grupos ambientais e agências governamentais.

A criação das novas carreiras reflete tendências sociais e econômicas. Encontrar alternativas de baixo impacto ambiental será um dos desafios para o profissional de ecorrelações. A busca por qualidade de vida e o desenvolvimento de serviços que tragam comodidade serão uma missão para o gerente de marketing e-commerce. Já o aumento da expectativa de vida e a necessidade de novos serviços para a população mais velha, como atividades culturais e planos para gestão dos recursos financeiros, será o foco do trabalho de conselheiros de aposentadoria.

Apenas o conhecimento tecnológico passou a ser insuficiente para exercer as novas funções, avalia o professor. “É preciso saber o impacto de cada atividade nos negócios”, salienta Carvalho. O gerente de ecorrelações, ele cita, é um profissional com visão além dos programas ecológicos, capaz de perceber o que essa preocupação traz para a empresa e para os negócios e com habilidades de comunicação e relacionamento com o governo.

Desafio ao novo Cursos universitários para capacitar profissionais para novas carreiras estão aparecendo lentamente no mercado. “Ainda é um movimento incipiente pela burocracia necessária para alterar cursos de graduação”, avalia Carvalho. Por isso as graduações tradicionais, como administração, engenharia e direito, que oferecem amplitude de conhecimento, continuam entre as mais procuradas pelos alunos e as mais ofertadas pelo mercado.

“Não há ainda olhar das instituições de ensino superior para as novas áreas”, concorda o diretor do Centro Universitário Salesiano (Unisal), Fábio Reis. Alto custo do investimento, maior prazo para o retorno financeiro e até as diretrizes do Ministério da Educação são obstáculos à criação de cursos de graduação para atender às novas demandas profissionais. “São necessários laboratórios, a capacitação de professores, investimento em pesquisa e em relacionamento com as empresas”, diz Reis.

Exigências do MEC também dificultam algumas medidas necessárias para a criação de novos cursos ou a adaptação dos existentes para atender ao mercado de trabalho. A formação de um grupo docente adequado às novas necessidades, por exemplo, pode esbarrar nas metas estabelecidas pelo ministério para o número de mestres e doutores nos quadros de pessoal. “Podemos ter um experiente engenheiro com carreira na Petrobras, capacitado para ensinar no curso de engenharia de petróleo, uma das carreiras emergentes, mas que não detém título de doutor ou mestre como o preconizado pelo MEC”, exemplifica Reis.

Esses fatores dificultam a criação de cursos mais práticos e menos teóricos como os demandados pelo mercado. As instituições precisam fazer adaptações para criar cursos inovadores. Foi essa a estratégia adotada pela Universidade do Rio dos Sinos (Unisinos) ao lançar a graduação em administração de empresas com especialização em gestão para inovação e liderança.

Professor articulador A formulação do novo curso na Unisinos partiu da premissa de que é essencial reavaliar o processo de ensino-aprendizagem para criar uma graduação com forte vínculo com o mercado e capaz de oferecer ao aluno a oportunidade de desenvolver os atributos desejados pelas empresas e pelos próprios administradores.

A partir de pesquisas realizadas entre universitários da instituição, lideranças e executivos de empresas industriais, de comércio e de serviços, de todos os portes da região, a Unisinos constatou que as características desejadas tanto pelas companhias quanto pelos profissionais eram visão estratégica, capacidade de tomar decisões e de liderar e trabalhar em equipe, além de criatividade e convivência interpessoal. Então foram necessárias mudanças em relação ao processo de ensino tradicional. “Uma delas foi fazer com que o professor assumisse o papel de incentivador da aprendizagem e do pensamento crítico para desenvolver as competências e as habilidades do aluno”, afirma o diretor de graduação da Unisinos, Gustavo Severo Borba.

Projetos de aprendizagem também passaram a ser desenvolvidos como instrumento para vincular as áreas de economia, sociologia, psicologia e história à administração. “A dinâmica se dá nas relações entre as áreas e não apenas entre as disciplinas do curso de administração”, explica Borba. Um dos desafios nesse trabalho, ele relata, é conciliar o conceito de interação com as outras áreas para adotar uma forma sistêmica de ensino e menos linear que a prevista pelo MEC.

Outro problema a ser equacionado nesse modelo inovador se refere aos riscos financeiros envolvidos. Como as salas de aula são pequenas, com no máximo 25 alunos, a margem do retorno financeiro pode ser reduzida. “Não dá prejuízo, mas não é tão lucrativa quanto uma sala grande”, compara Borba. Além disso, é preciso investir em capacitação de professores. No caso da Unisinos, foi elaborado um programa de capacitação para transformar o professor num articulador que, em vez de entregar o conteúdo pronto, constrói o conceito com o aluno em sala de aula.

Essa ideia nova de ensino em sala de aula é que vai preparar profissionais não só para as novas carreiras como para enfrentar as transformações futuras nos cargos tradicionais, segundo a pesquisadora na área de ciências de serviços e inovação Maria Carmen Tavares Cristóvan. “Ensino de qualidade tem de ser inovador e não o de 30 anos atrás, que não priorizava a inteligência competitiva nem a governança corporativa”, afirma. A evasão dos cursos presenciais em até 30% mostra, segundo ela, que a forma de ensino das instituições está defasada para o atual modelo de negócio.

Alguns segmentos ganham destaque na geração de oportu­ni­dades de negócios es­­pecialmente pela expansão dos investimentos, como no caso do setor petrolífero. A expectativa é de que até 2014 o setor terá uma injeção de recursos da ordem de US$ 263 bilhões, segundo dados da Organização Nacional das Indústrias de Petróleo (Onip).

Profissões em alta Tais dados levam as instituições de ensino superior a dar ênfase a cursos tradicionais que sofrerão o impacto desses investimentos na cadeia produtiva de petróleo e gás, como engenharia civil, além de criar cursos específicos, como o de engenharia de petróleo, para atender às novas demandas.

A Universidade Santa Cecília (Unisanta), no litoral paulista, formará em 2013 sua primeira turma de engenharia de petróleo.  “Capacitar mão de obra para o segmento de exploração e produção de petróleo é o principal foco”, diz o coordenador do curso, Robson Dourado.

Profissões ligadas ao meio ambiente também começam a ganhar força no ensino superior, como o curso de engenharia ambiental. A área está entre as mais promissoras, conforme o estudo da Profuturo, que elenca entre as profissões em alta as de relações internacionais, lazer e turismo, engenharia de alimentos, engenharia de computação, farmácia-bioquímica e administração de empresas.

Instalada no Vale do Paraíba, interior de São Paulo, numa região cercada de indústrias, a Faculdade de Roseira (Faro), foi uma das pioneiras na criação dos cursos de engenharia ambiental e tecnologia em gestão ambiental. “Os cursos nasceram da necessidade de melhor preparar para a gestão dos recursos naturais disponíveis, além de acompanhar o crescimento sustentável do país”, diz a diretora acadêmica da Faro, Elisângela Moraes.

A instituição mantém contato e convênios com várias indústrias da região para melhor aliar a oferta de cursos com o que o mercado de trabalho demanda. “No decorrer de cada ano, realizamos pesquisas em diversas empresas da região de diferentes segmentos para aprimorar nossa matriz curricular”, explica a diretora.

Outra estratégia adotada pela Faro é manter o foco nas áreas de engenharia e tecnologia. “O modelo focado numa área deveria ser mais explorado pelo setor de ensino superior para reduzir a oferta de um mesmo curso num mesmo segmento e aprimorar a qualidade de ensino”, avalia.

Antecipando tendências Prospectar mercados e encarar os riscos de novas carreiras é uma fórmula adotada por instituições que planejam acompanhar as demandas e, se possível, se antecipar a elas, como no caso da Universidade Anhembi Morumbi (UAM), que há 40 anos criou o primeiro curso superior de turismo no Brasil. Hoje o investimento certeiro está comprovado: turismo aparece entre as carreiras mais promissoras apontadas por especialistas e é a terceira da lista do levantamento do Profuturo. A explicação está na preocupação crescente da população com a qualidade de vida, o que impulsiona, além do turismo, outras carreiras como psicologia e educação física.

“O papel da universidade é ficar atenta às mudanças da sociedade, perceber o que é tendência e se preocupar com as novas ocupações”, diz a pró-reitora acadêmica da Anhembi Morumbi, Josiane Tonelotto. A instituição manteve seu investimento em carreiras inovadoras, como a de design de games, que prepara profissionais para atuar na indústria de videogames e em estúdios de animação, entre outras empresas.

A pró-reitora reconhece os riscos assumidos para investir em cursos desse tipo e salienta a necessidade de investimentos em recursos humanos e pesquisa. A graduação em estética, outro curso pioneiro, lançado em 2008 pela UAM, exigiu, segundo Tonelotto, estudos sobre as tendências internacionais e visitas a spas de todas as regiões do país para a sua formatação. “Criar um novo curso é desafiador, é preciso cumprir as diretrizes do MEC, mas já há uma abertura das autoridades para isso”, conclui.

Capacitar para o próprio negócio
O empreendedorismo também é um dos focos das iniciativas das instituições de ensino superior voltadas para formação de mão de obra para o futuro. A estratégia segue a tendência indicada por dados como os do Global Entrepreneurship Monitor (GEM), estudo que avalia o espírito empreendedor em 60 países, e segundo o qual 15,3% da população brasileira com idade entre 18 e 64 anos têm negócio próprio e 26,5% manifestam a intenção de se tornar empreendedores. De olho nessa tendência é que a Universidade Santa Cecília (Unisanta) criou o Núcleo de Inovação, Negócios e Empreendedorismo (Nine). A exemplo de outras instituições, trata-se de uma pré-incubadora de empresas, desenvolvida para apoiar as iniciativas empreendedoras de estudantes, pesquisadores e professores. Sete empreendedores ingressaram no Nine no final de 2011 para desenvolver suas pesquisas e protótipos com o apoio da Unisanta. “As oportunidades para os empreendedores deverão se multiplicar”, afirma o coordenador de Estágios e Relações da Unisanta, Luiz Vidal de Negreiros.
Caminho mais rápido
A urgência de contratações de profissionais especializados em áreas com rápida expansão dos negócios, como a de gás e petróleo, aliada ao menor custo do investimento, tem estimulado as instituições a investir mais em cursos de pós-graduação como alternativa para formar mão de obra para as novas carreiras. Há maior oferta desses novos cursos em pós-graduação do que na graduação. No Rio de Janeiro, que deverá concentrar 80% da atividade do setor de gás e petróleo, segundo dados da Organização Nacional da Indústria do Petróleo (Onip), é possível encontrar cursos destinados à formação de profissionais para toda essa cadeia produtiva, como os oferecidos pelo Instituto Senai de Educação Superior. O desafio a ser enfrentado nesse caso vem da graduação. De acordo com o coordenador técnico do Instituto, Caetano Moraes, a maior dificuldade na formação desses profissionais é a deficiência na formação básica dos alunos. “Nem todos os profissionais estão preparados para integrar equipes de projetos e de desenvolvimento”, salienta.
Tecnológicos em alta
Entre as novas profissões, os cursos tecnológicos oferecem um amplo leque de inovação, considerando a formação específica em determinada área. O Censo da Educação Superior 2010, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), aponta o interesse dos estudantes de ensino superior por cursos tecnológicos. A demanda nessa área é a que cresce mais rápido, revela o levantamento, e o número de matrículas na modalidade já supera em mais de dez vezes o registrado em 2001. Os alunos matriculados em cursos tecnológicos, há dez anos, somavam 69,8 mil. Em 2010, esse número, em cursos presenciais e a distância, saltou para 781,6 mil. De acordo com o MEC, essa trajetória ascendente se deve ao aumento dos investimentos na educação profissional de nível superior em especial pela iniciativa privada, além da expansão das instituições federais de educação tecnológica (Ifes). O levantamento revela ainda que o curso mais procurado por área de conhecimento é o de gerenciamento e administração no qual se encontra quase a metade dos alunos inscritos na área tecnológica, com 343,7 mil alunos inscritos (veja tabela abaixo). O número supera em cinco vezes o de processamento da informação, o segundo colocado no ranking dos cursos tecnológicos mais procurados com 66,6 mil inscritos e participação de 8,5% no total das matrículas.
Distribuição do número de matrículas em cursos tecnológicos (presencial e a distância) por área do conhecimento
Área do conhecimento                                Matrícula      %
Total Geral                                                                  781.609    100,0
1 Gerenciamento e administração                  343.723     44,0 2 Processamento da informação                     66.664      8,5 3 Ciência da computação                               51.400      6,6 4 Marketing e publicidade                              47.996      6,1 5 Proteção ambiental                                    40.166      5,1 6 Engenharia e profissão de engenharia          30.323      3,9 7 Hotelaria, restaurantes e    serviços de alimentação                             17.686      2,3 8 Técnicas audiovisuais e produção de mídia   16.080      2,1 9 Design e estilismo                                     16.002      2,0 10 Serviços de beleza                                   14.694      1,9
Outros serviços                                           136.875     17,5

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