Das Dores (conto de Antonio Araujo)

Das Dores sentara-se para ouvir. Em silêncio. Seu pai, homem rude sem arrodeio, apontava uma cadeira onde o pretendente deveria acomodar-se.

Trêmulo, o jovenzinho pôs o chapéu de palha sobre o joelho. Tinha os cabelos pretíssimos, combinado à pele queimada pelo trabalho; tinha também beleza, mas desnecessária e imprestável.

Um galo cantou no quintal. Nalgum dia do futuro, das Dores choraria sempre essa cena toda vez que ouvisse o canto de um galo. Olhou pela janela – uma mocinha estendia roupa no varal. Também, quando relembrasse desse acontecimento, das Dores divisaria a imagem da irmã a estender roupa.

– Não tenho proseamento longo nem difícil como conversa o vigário. Isso só é bonito nos outros. Diga logo… Se esclareça, moço.
O enamorado, cambiteiro numa fazenda, bodejou, bodejou. Saíram umas duas frases truncadas, desconexas, medrosas e calou-se. Calou-se.

À boca da noite, o velho, com o estômago embrulhado por tanto aborrecimento, não tinha vontade de comer. Já havia metido uns três pontapés no Tubarão, que saíra ganindo, confuso e resignado, inculcado com as injustiças gratuitas do mundo. A mulher, desconfiada como um gato espancado, insinuara uns contra-argumentos, uns conselhos… O velho olhou-a; por uma associação ilógica, ambos lembraram-se do Tubarão. Ela calou-se.

– Um cambiteiro! Só tem o sol e a lua! Um cambiteiro! Ousadia… desaforadinho ele…

Mais tarde, o velho só abriu a boca para perguntar por das Dores.
No quarto: das Dores trancada. Acorrentada, jamais vislumbraria as chaves de seu futuro, de seus desejos, de seus anseios. Das Dores chorava. Não jantaria. A mãe, que lembrara à filha mais nova de acender os candeeiros, passeava pela casa, divisando a porta trancada do quarto trancada. Mas o olhar do velho… Tubarão, que já se acomodara embaixo da mesa, dormitava; dormia migalhas, também esperando o jantar.

A lua subia, subia. A noite tornara-se mais noite. Em pouco tempo, estariam apagados os candeeiros. No brejo, começariam a cantar os sapos. A noite crescera, entrara no quarto de das Dores, silenciava o mundo.

A noite havia engolido o sítio. Chegaria a manhã, não o amanhã. Haveria uma noite, haveria um outro dia; viria outra noite, que traria mais um dia – a vida ali num ciclo-destino medíocre, inexorável, impiedoso como uma teia de aranha.

“Será que ele mexeu com ela”, pensava o velho, já deitado na cama. A mulher fingia dormir, ressonando ao lado. Protegida pelo silêncio e pela escuridão do quarto, podia odiar e odiava o marido.

O casamento com seu Cristóvão fora marcado para São João. Viúvo e já entrado em idade, o fazendeiro dissera ao futuro sogro que não ficaria bem a um homem viver e morrer sem companheira. O velho concordou. A filha, resignada, atendera e aceitara, embora sem esquecer o cambiteiro. Desiludido, ele viajara para os lados do Sul. Depois de anos e de mais anos, nada se ouviria a seu respeito.

Não demorou e das Dores acostumou-se ao casamento, ao sexo mecânico e à velhice do marido, da qual – velhice inócua de experiência – a esposa nada aproveitara, nada extraíra. E assim iam passando os anos – das Dores, que não tivera filhos, considerou-se uma viúva em vida esperando a viuvez de fato.

No entanto, vez ou outra, quando um galo cantava, uma lágrima melancólica nascia. Era o passado jovial que o arauto trazia.

Quando tudo tem se esvaído; quando o tempo, irrecuperável, segue devorando futuros, o pior do amor é a memória.

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