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Um ano sem Nô Pedrosa: nó da ausência

Desde o dia 23 que reluto em escrever sobre o assassinato de Nô Pedrosa, porque ele dói em mim.

O vi pela última vez ao longe em 22 de dezembro de 2017 pelas 16 h, enquanto seguia a velocidade do trânsito pela Praça Dom Pedro II, no centro de Maceió, onde estava sentado em um dos bancos, com seu ar de quem esperava pouco ou não esperava nada das pessoas nem dos lugares, nem das coisas.

Eu estava indo para o nosso costumeiro Café Cultural após lançamento de livros, e tinha pressa, tinha horário, tinha outras gentes para encontrar. mas o vi, olhei e como sempre acontecia alegrei meu coração ao vê-lo.

Sobre Nô eu conversava com os meus filhos, dizia sobre sua importância para a história da luta; falava dos temores pela sua vulnerabilidade, sua irreverência e alegria leve, falava também do carinho que sempre lhe dediquei.

Ano passado viajamos para o Natal no campo, e ao regressar, nem pude me entregar ao cansaço, quando no dia 26 Odilon Rios se aproximou com jeito, assumindo aquela feição de quem sabe que vou sofrer e de antemão sofre por isso, para me dizer baixinho, enquanto eu sentava em uma das cadeiras da varanda:

  • Ana, lembra que te falei que houve um triplo assassinato em Maceió? Um deles era o Pedrosa!

Um deles era o mesmo que eu havia entrevistado na Escola Cícera Lucimar e presenciado seu entrosamento com as crianças:

  • Nô, vai comprar pipoca para mim! – Ele me pediu para esperar um pouco e foi embora sorrindo, para voltar com as mãos cheias de pipocas e balas.

Essa ação se repetiu pelo menos cinco vezes durante a nossa conversa. Uma face festiva do Nô Pedrosa que somente pude ver ali, naquela escola de bairro, onde plantou seus últimos dias.

Um deles era o mesmo a quem observei certa vez do ponto de ônibus no bairro da Mangabeiras, ir até um cavalo magro que estava amarrado em área baldia, para descascar bananas e lhe colocar na boca, saindo apenas quando acabou a palma que havia levado. Fui testemunha única e silenciosa deste fato.

Um deles era o parceiro de lutas, presente nos movimentos, protestos e encontros de esquerda, mas livre dos pesados postos por tantos outros disputados. Engrossava o cordão porque gostava de estar lá, mas flanava na mais pura liberdade, em sua absoluta recusa à ambição.

-Ah que tristeza! –  Eu redargui! Ele sabia disso, e me abraçou.

Tristeza e impotência, outra vez.

Apenas pedi que me levasse ao sepultamento no dia seguinte, pois apesar do crime ter ocorrido na madrugada de 23 de dezembro, foi sepultado dia 27 de dezembro de 2017.

Aquele que denunciou a existência de grupos de extermínios de moradores de rua em Maceió, estava silenciado. Seu corpo magro recebeu a sentença da força bruta, para que a estrutura lustrosa continue brilhando.

Mortes úteis não são elucidadas.

Mas todos os viventes sabem quem mata Nô Pedrosa, cada vez que um deles tomba. Sim, Nô é representação.

Sem delongas, falo da saudade. Do vazio imenso. Pois os idiotas matam um ícone em segundos mas o planeta levará séculos para reinventar alguém com as qualidades do nosso anarquista.

 

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