Sem-tetos e posseiros disputam terra onde funcionou presídio

Tomado por posseiros para criação de gado e ocupado por desabrigados desde a década de 80, um antigo terreno do Governo do Estado se transformou no centro de uma disputa pela terra e por moradia no município de União dos Palmares (AL).

A ocupação da área tem uma história longa e cheia de controvérsias. Vem desde 1988, quando famílias desabrigadas por uma enchente do rio Mundaú foram realocadas, de maneira provisória, para os 18 pavilhões da antiga Colônia Agrícola Penal Santa Fé.

Os desabrigados se instalaram no local, com a autorização do Estado, enquanto novas casas fossem construídas e entregues. Nunca foram erguidas.

O caso virou matéria nacional entre os anos de 2010 e 2012. As famílias ainda
permaneciam no local naquele período. Muitos moradores relataram que cresceram por lá, habitando o local desde o final da década de 80.

As condições insalubres, a falta de água e serviços de energia afetavam o cotidiano extremamente vulnerável. Mas apesar das promessas, as novas moradias não vieram.

Famílias inteiras transformaram o local em “conjunto habitacional”, até a demolição do complexo que foi requerida pelo Ministério Público Estadual em 2020.

No entendimento da 1ª Promotoria de Justiça da Infância e da Juventude de União, o local feria o princípio da dignidade humana e expunha, especialmente, crianças e adolescentes à situações de risco.

“O Ministério Público pede a demolição do prédio e a transferência das famílias para uma habitação digna e, claro, chama a atenção para a assistência que precisa ser dada às crianças e aos adolescentes que ali vivem.”, disse o MP na época.

“A Defesa Civil comprovou que parte da estrutura ruiu e o espaço não oferece segurança. Há paredes que caíram, muitas fissuras nas que ainda restaram e as lajes estão sem proteção”, acrescentou o promotor de Justiça Lucas Sachsida, que propôs a ação.

Na madrugada da última sexta-feira (19), o Movimento de Trabalhadores Sem-Teto de Alagoas (MTST-AL) ocupou o local. O movimento reivindica a desapropriação da terra para a reforma urbana, reivindicando o direito à moradia. A Ocupação Zumbi Resiste está instalada no que se tornou conhecida como comunidade Santa Fé.

Sem-tetos montam acampamento de madrugada em União dos Palmares. Foto: Divulgação

De acordo com o movimento, o terreno de 107 hectares de terra abrigaria em média 500 famílias caso fosse disponibilizado para uma política de habitação.

“É uma dívida antiga do Governo do Estado com os movimentos sociais que lutam pela reforma urbana e pelo direito à cidade. Agora os trabalhadores resolveram ocupar. [A situação] já vem sendo discutida desde a época do governo Renan Filho”, esclarece a coordenadora regional do MTST, Eliane Silva.

Com o passar dos anos a situação ganhou formatos ainda mais complexos, pois cresceu o déficit habitacional em União dos Palmares.

Atualmente ocupam a área as famílias que já viviam nos pavilhões do antigo presídio e outros moradores sem-teto que lutam por moradia através do MTST e outros movimentos.

“As famílias que moram nos pavilhões e que vivem sem moradia, eles colocaram alguns no aluguel social, sem projeto de moradia. O aluguel social é de apenas três meses e não resolve a pauta (…) Nossa ocupação foi justamente para que o Governo acelere a desapropriação da terra, porque não resolveu a pauta dos movimentos urbanos, mas tem gente rico ocupando a terra há anos, gente poderosa”, afirmou Eliane.

Ela destaca que a terra está sendo utilizada por posseiros, inclusive para desenvolver atividades de criação de gado. O movimento questiona a divisão ilegal e injusta da terra que está sendo tomada pela propriedade privada sem fiscalização.

Cercado para criação de animais feito por posseiros em terreno do Estado. Foto: Cortesia/MTST
Casa com cerca delimitando área tomada por posseiro em União dos Palmares. Foto: Cortesia/MTST

“Nós queremos que o trabalhador desta cidade também seja atendido, não é justo que poucos tenham muito e muitos sem nada. A pergunta é por que até parentes de ex-governo existe na terra, transformando ela em suas propriedades e por que o governo ainda não fez a desapropriação para atender a luta de quem sonha com uma casa e ter um quintal para produzir?”, questionou.

“A gente não quer terra para o povo de boca, nós queremos regulamentação fundiária na cidade, moradia digna, título de propriedade das terras e dos terrenos que eles já deram para alguns movimentos populares”, conclui Eliane.

A assessoria do Ministério Público disse ao Repórter Nordeste que já existe decisão judicial sobre a questão, inclusive com liminar para a garantia de moradia digna para as famílias devidamente cadastradas e a demolição do prédio que já se encontra em ruínas – colocando em risco a vida de todos no local.

Esclarece ainda que a liminar já foi deferida, restando aos entes, Estado e Município, o devido cumprimento. (Confira a nota na íntegra no final do texto)

O Governo foi procurado pelo Repórter Nordeste para mais esclarecimentos. Segundo o Instituto de Terras e Reforma Agrária de Alagoas (Iteral) o estado pretende colocar a área para a reforma agrária e que uma equipe do órgão irá ao local para dialogar com os líderes dos movimentos.

Em nota, a Secretaria Estadual de Infraestrutura (Seinfra) disse que os projetos habitacionais estão sendo elaborados e devem ser apresentados o mais breve possível ao Ministério das Cidades.

A reportagem procurou, sem êxito, a Prefeitura de União dos Palmares para saber se no município há projeto habitacional em andamento e se os moradores do local estão sendo cadastrados para o recebimento das casas. O espaço segue aberto para um posicionamento.

Confira a nota do MP:

O Ministério Público do Estado de Alagoas (MPAL) esclarece que se trata de uma questão já em debate judicial, com decisão liminar para garantia de moradia digna para as famílias devidamente cadastradas e a demolição da prédio que já se encontra em ruínas – colocando em risco a vida de todos no local. A liminar já foi deferida, restando aos entes, Estado e Município, o devido cumprimento

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