O racismo ambiental que divide Maceió

Foto: Reprodução/ Instagram Zazo

Em Maceió, áreas de vulnerabilidade social também apresentam problemas ambientais que foram sendo naturalizados ao longo do tempo. Habitações em encostas e grotas fazem parte do desenvolvimento histórico da cidade que é desigual, excludente e aristocrata.

Mas por que o ônus do desenvolvimento urbano da capital alagoana fica como os mais pobres?

Considerando que a proporção de pessoas pobres entre pretos e pardos (53,6%) é maior que brancas (47,1%) em Alagoas, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o termo racismo ambiental explicaria a distribuição desigual da exposição à poluição e à insalubridade na configuração urbana de Maceió?

Racismo ambiental refere-se a discriminação que populações de minorias étnicas sofrem através da degradação ambiental. De acordo último Censo realizado em 2010, 62% da população de Maceió é composta por pretos e pardos.

Os bairros ocupados majoritariamente pela população negra são os mesmos bairros onde há menor investimento em infraestrutura, diz um estudo publicado em 2019 pela Revista Ímpeto, organizada pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). (veja aqui)

“Percebe-se que a racialização da ocupação urbana enuncia as desigualdades presentes, também, no ato de pensar as cidades. Ao permitir e reforçar a manutenção dessa segregação, o planejamento urbano torna-se, afinal, uma ferramenta racista”, diz o estudo.

O professor de história da Ufal, Osvaldo Maciel, disse ao Repórter Nordeste que não há como deixar de relacionar a questão com o racismo estrutural brasileiro.

“Se o racismo brasileiro é estrutural então ele estrutura todas as dimensões da realidade brasileira, inclusive as que se referem ao espaço urbano, a dinâmica de ocupação e de valorização do espaço urbano e as políticas relacionadas ao espaço urbano”, afirma.

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Osvaldo Maciel, professor de história da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Foto: Reprodução/Instagram

Para ele, a desigualdade em Maceió tem marcadores além da raça, há também as diferenças de renda, estrato social e composição de classe que habitam as diferentes regiões do município. O percurso histórico do desenvolvimento urbano da cidade desenhou a rachadura social e racial que hoje existe.

“Há uma espécie de divisão entre uma área valorizada do ponto de vista imobiliário, do ponto de vista dos serviços, que fica próximo da orla de Maceió – Pajucara, Ponta Verde, Jatiúca – recebe cuidados da Prefeitura e do governo estadual, recebem investimentos federais robustos com a desculpa de que é para atrair turista, etc. Então todo ano os caras ‘lambem’ o asfalto, pintam, deixam tudo bonitinho e a parte alta da cidade – o Tabuleiro, por exemplo – apesar de ser uma área muito mais extensa, comportar um grupo muito maior de habitantes e com necessidades de serviços, com carência de serviços públicos muito maior, não recebe, de maneira nenhuma, muito longe proporcionalmente (…) a quantidade de investimentos públicos nestes espaços”, disse o historiador.

“No final do século XIX, início do século XX, só tinham 30 ou 35 mil habitantes, os espaços urbanos de Maceió eram dois bairros – que seriam hoje os bairros de Jaraguá e o que hoje é o Centro da cidade, que na época se chamava bairro de Maceió – então esse dois bairros eram áreas urbanas valorizadas e tudo o que ficava fora, nesta periferia, era [visto como] degradante, era pobre, era sujo. Tinham os miasmas, que eram superstições de que os alagadiços, nas regiões encharcadas havia possibilidade de você pegar febre, adoecer.”

“De alguma forma a população de ex-escravizados, a população preta e parda do pós-abolição, por conta das condições econômicas, da capacidade de ocupação no mercado de trabalho local vai ocupar essa periferia. Então, o que é hoje o Bom Parto e Vergel, eram grande periferias de Maceió. Historicamente, a gente pode colocar para onde iam investimentos: para o bairro de Jaraguá, por exemplo, a Praça Dois Leões, a Praça Dom Pedro II, a Praça Deodoro. Mas quando você ia na direção do Trapiche você via casebres, pescadores, comunidades pesqueiras. Tem relatos de muitos afrodescendentes nestas regiões. Então, de alguma forma o desenvolvimento do espaço urbano de Maceió, ele da substrato para a gente entender a divisão, que este espaço urbano vai reproduzir também esse racismo”, concluiu.

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Os contrastes sociais e raciais, apesar de incômodo, não movimenta como deveria a ação do poder público municipal para o planejamento de uma outra urbanidade. O silêncio da Prefeitura, mobiliza agentes políticos para as necessidades das periferias.

“O abandono histórico da região lagunar de Maceió é um fato incontestável. Soma-se a isso o perfil socioeconômico e racial da população que reside naquele território. A cidade continua sua expansão, mas várias localidades estão sendo deixadas para trás no que diz respeito a garantias de direitos básicos. Na orla lagunar temos os piores índices de desenvolvimento urbano da cidade. Não existe outra explicação que não seja racismo ambiental”, esclareceu o jornalista e líder comunitário Zazo.

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Zazo é jornalista, documentarista e líder comunitário. Foto: Reprodução/Instagram

Ele acompanha e desenvolve lutas por melhorias no saneamento básico e condições de vida nos bairros adjacentes a orla lagunar. Os problemas no saneamento nestas comunidades ocorrem há anos e são cada vez mais evidentes em épocas de chuva.

“Na Levada temos um agravante que é o despejo das águas de chuva misturada com esgoto que desce do Centro e Farol até os canais. O volume de água que desce por esses canais é muito grande e as águas contaminadas adentram as casas e pontos comerciais da região. Este problema é muito antigo, mas percebemos que está cada vez pior. Os órgãos públicos têm ciência do que ocorre, mas não demonstram qualquer vontade em estabelecer políticas que elimine essa desumanidade”, explica.

Segundo Zazo, a Prefeitura não dialoga com a comunidade e não escuta as demandas por participação no processo de planejamento urbano.

A reportagem procurou a professora de ciências políticas da Ufal, Luciana Santana, para entender os aspectos que fundamentam a exclusão das populações da periferia na tomada de decisão sobre o lugar onde moram e a falta de diálogo com o poder local.

Para Santana, a correlação de forças políticas na negociação de interesses sofre a interferência tanto do poderio econômico como do acesso a informações, mas também pontua a falta de sensibilidade do poder público.

“Política é uma negociação de interesses, demandas. Isso fica muito claro (…) a gente sabe que quem tem o poder de lobby maior, aqueles que tem mais acesso a recursos – não me restrinjo apenas a recursos financeiros mas recursos informacionais – acabam tendo mais vantagem neste processo de negociação. As populações mais vulneráveis elas acabam tendo mais dificuldades, por exemplo, do que grandes empresas, de negociarem qualquer tema junto ao poder público. Partindo deste pressuposto, o que dificulta a nível local o diálogo entre a Prefeitura e as populações negras eu acredito que é isso: um poder de lobby maior”, esclareceu a professora.

Luciana Santana, mestre e doutora em Ciências Políticas. Foto: Reprodução/Redes Sociais

“Não dá para a gente falar que é uma situação só, que isso justifica ou que isso explica. Então tem vários fatores que influenciam essa dificuldade de diálogo entre poder público e essas populações, mas provavelmente isso: a falta de sensibilidade do poder público de escutar e a questão do lobby”, conclui.

Ao Repórter Nordeste, a Prefeitura disse estar trabalhando na superação das desigualdades e destacou a implementação de políticas públicas para atingir tal objetivo. Confira a resposta na íntegra:

Como a Prefeitura tem agido para diminuir as diferenças socioambientais e de infraestrutura entre bairros?

“A prefeitura de Maceió tem desenvolvido diversas ações com o intuito de dar dignidade a todos os maceioenses, em especial para os que foram historicamente negligenciados e precisam mais da atenção do poder público.

A atual gestão criou programas como Brota na Grota, Renasce Salgadinho, CNH Social e Saúde da Gente, que hoje são referências nacionais em políticas públicas para infraestrutura urbana, meio-ambiente, inclusão social, empregabilidade, saúde e prevenção.

A prefeitura, em apenas dois anos e cinco meses, beneficiou mais de 14 mil pessoas com a entrega de 3.500 unidades habitacionais. Mais 3 mil ainda serão entregues até 2024. Recentemente, a gestão inaugurou um novo centro de atendimento socioassistencial, que é a porta de entrada para quem busca ser contemplado em programas sociais oferecidos por todos os níveis de governança.

Já foram investidos, até maio de 2023, mais de R$ 400 milhões em obras e projetos na cidade, o maior volume de recursos já visto na história de Maceió. O principal foco do executivo municipal é reduzir as desigualdades e gerar oportunidades para que as pessoas possam ter acesso a moradia digna, emprego e renda.”

Bairros adjacentes à orla lagunar sofrem com inundações e vulnerabilidades ambientais constantes. É reivindicação da comunidade local a melhora no saneamento básico e urbanização. O que tem sido feito neste sentido?

“Ao longo da gestão do prefeito JHC, a região passou por uma grande transformação histórica, com limpeza diária, reformas de equipamentos públicos, melhorias na iluminação, pavimentação, acessibilidade, além de receber brinquedos e espaços de convivência.

Equipes da infraestrutura também realizam constantemente ações de limpeza e desobstrução de rede de drenagem na região para que as águas da chuva tenham o destino correto de maneira adequada.

Em paralelo, equipes de conscientização ambiental da Autarquia de Desenvolvimento Sustentável e Limpeza Urbana (ALURB) também executam ações buscando educar a população de que o lixo deve ser descartado de maneira correta.

Aliado a estas intervenções, as equipes da limpeza urbana operam na Lagoa o Ecoboat, equipamento que recolhe o lixo descartado de forma irregular.”

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