Fernando Caldas: Uma homenagem a Vanuza

Fernando Silva Caldas

Vanusa foi um dos meus sonhos de adolescente. Creio mesmo que de muitos adolescentes e adultos, numa época em que a beleza física atraía bem mais que a beleza da alma. De quantas outras musas precisamos então, representando todas as raças da raça humana: europeias, africanas, americanas, asiáticas!

Conhecia-a quando da bela interpretação de “Paralelas”, do saudoso Belchior, enchendo os nossos ouvidos de maviosas notas ou quando nos trazia as “Manhãs de Setembro”, canção autoral em parceria com Mário Campanha Sierra, que costumava saturar as paredes do meu banheiro, na voz nada afinada. Certamente os tijolos correriam se pernas possuíssem.

Soube hoje que nessa madrugada Vanusa retornou para a verdadeira pátria. Ontem, com a filha primogênita que a visitara na clínica de repouso onde se encontrava internada, desfrutando a vida física em suas últimas horas, fazia aquilo que melhor cultivou ao longo de cinquenta anos: cantava.

Dela dizia hoje Artur Xexéo, jornalista e dramaturgo, que possuía excesso de talento. Cantava e interpretava.

A vida a levou por descaminhos, desilusões, aflições, dessas que a gente encontra em cada esquina. Desenvolver resiliência é difícil. Não se deprime quem quer, mas quem pode. Escolhas que se degeneram em peso, levando à busca da felicidade através de um comprimido que leva outro, que levará a outro, até se estabelecer uma dependência medicamentosa. Vanusa mergulhou na escuridão em plena luz do dia, na ribalta que a encerrou numa clínica de repouso por dois anos, na frustrada tentativa de atingir sua sanidade. Somou-se à depressão, o Mal de Alzheimer, aquela, geralmente, sua antecessora. Dorme no corpo, para despertar além dele, no dia em que Antônio Marcos estaria aniversariando se na terra estivesse.

A grande lição da morte é a da presentificação. O presente é via de mão única, representante do tempo e testemunha do futuro, que jamais chegará.

Requiescet in pace querida Vanusa.

Maceió, 8 de novembro de 2020.
Fernando Silva Caldas.

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