Fernando Caldas: AOS ESPÍRITAS e a quem interessar

Fernando Silva Caldas é médico

As redes sociais trazem ultimamente uma enxurrada de mensagens oriundas de “Espiritos de luzes” que opinam acerca da pandemia do Covid19, a grassar sobre o nosso pequeno e ainda atrasado planeta azul, todas elas com orientações inegavelmente positivas, no entanto eivadas de orientações pontuais que destoam do caráter sério do Espiritismo.

Allan Kardec ao longo de toda a obra de sua lavra utiliza o método racional, sobretudo o dedutivo, dentro de uma lógica equilibrada que, ao longo dos quatorze anos em que esteve envolvido com as pesquisas espíritas, o livrou de cair em armadilhas provenientes do mundo espiritual, sobre o qual se debruçou.

Em “Obras Póstumas”, descreve com minúcias a forma com que lidava, desde o princípio, com os fenômenos que retiveram a sua atenção. A princípio, quando chamado pelo magnetizador Fortier, que lhe descrevia os fenômenos das “mesas girantes”, asseverando que não apenas giravam mas “respondiam a perguntas”, Kardec posicionou -se criticamente, ironizando que sem provas aquilo era uma fábula para provocar sono.
Mais adiante, já se assenhoreando dos fenômenos espirituais, mostrava a sua face mais científica ao declarar que não via os espíritos como reveladores predestinados e sim, como meios de obter informações.

Em “O Livro dos Espíritos”, eixo do Pentateuco Kardeciano, a partir da questão número cem, demonstra com a Escala Espírita as diversas categorias de espiritos, desde os impuros, base da escala, até os puros, absolutamente desvinculados da matéria. A releitura desse escrito será sempre muito importante para o estudante da mediunidade como para os que se interessem por comunicações do além-túmulo.

J. Herculano Pires (1914 – 1979), paulista de Avaré, jornalista, educador, filósofo e escritor prolífico, coloca a obra de Kardec como a “pedra de toque” para a análise de comunicações oriundas da mediunidade, ressaltando sobretudo “O Livro dos Médiuns”, que desenvolve a ciência espírita, como um “guia para os médiuns e evocadores”. Neste livro Allan Kardec discorre acerca da obsessão, definindo-a como o “domínio que alguns Espíritos podem adquirir sobre certas pessoas”, frisando que isso se aplica aos Espíritos inferiores, no que tange ao desenvolvimento moral, nunca aos bons Espíritos. É nesse capítulo que ele classifica as obsessões em simples, fascinação e subjugação. Falando sobre a fascinação ele alerta tratar-se de “uma ilusão criada pelo Espírito no pensamento do médium e que paralisa de certa maneira a sua capacidade de julgar as comunicações”, pois “ele não se julga enganado”.

O Espírito Erasto, discípulo de Paulo de Tarso, cuja colaboração inestimável se fez no referido livro, afirma enfaticamente que “mais vale rejeitar dez verdades do que admitir uma única mentira, uma única teoria falsa.”

Retomando a temática com que iniciei este artigo, ressalto que, como estudioso do Espiritismo, entristeço-me ao ver essas referidas comunicações se espalharem como erva daninha, sem que se faça uma criteriosa análise do conteúdo das mesmas, senão por alguns comentários localizados e que se perdem em meio a muitos outros de aprovação sumária.

É mister esclarecer que as comunicações oriundas das esferas espirituais superiores nunca se revestem de uma aura profética, restringindo-se aos fatores morais e incentivando à renovação do ser humano. Ante a dor da pandemia que assola o planeta, demonstram a necessidade de reelaboração espiritual da humanidade, recordando a condição de almas imortais do homem encarnado, sendo a morte o portal de saída, em retorno para o mundo verdadeiro como o portal do berço se faz entrada para ele. Mostra a vida terrena como oportunidade de se adquirir experiências, rumo à perfectibilidade, devendo o ser humano buscar a serenidade e a resiliência, revendo os próprios valores e desenvolvendo a legítima fraternidade, pelo exercício da solidariedade.

Por fim, estude-se mais Kardec, evite-se conhecer o Espiritismo pelo viés romanesco e jamais erija-se médiuns ou espíritos como seres infalíveis, compreendendo-o como um movimento cultural, científico, filosófico e religioso que requer de nós carinho e zelo, a fim de que o mantenhamos distanciado das mazelas que caracterizam tantos movimentos que se perderam pelo orgulho e vaidade dos seus adeptos.

Aos médiuns, o conselho sempre oportuno de João, o Evangelista: “Amados, não creais em todo espírito, vê primeiro se eles são de Deus…” 1 João 4:1.

Maceió, 15 de abril de 2020.
Fernando Silva Caldas.

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