BLOG

Eles querem a morte, mas eu quero a justiça

Desde menina costumo perceber um fenômeno social esporádico chamado desejo de justiça.

Quando uma família ou grupo é afetado por alguma forma de violência, principalmente nos casos que envolve perda da vida de alguém, alguns mobilizam cartazes e faixas, desfilam a dor por algumas avenidas, parando na frente de um órgão governamental; despertando setores da imprensa, transeuntes apressados e alguns curiosos, em louvável ação de luta em defesa da vida, do direito de viver.

Contudo, apaziguados os ânimos, a luta descerra sua frágil bandeira no ninho comum de quem precisa regenerar as feridas e seguir a mesma vida comum de antes.

Assim tem sido.

Menos comigo.

Meu desejo por justiça persiste a cada manhã, onde labuto nos bastidores de uma sociedade mascarada, covarde, amordaçada pelos próprios interesses.

Eles não querem fazer justiça!

Não querem abalar a plataforma que beneficia a muitos, distribuindo privilégios e ilusões outras, na compacta rede de transfusão política das realizações egóicas. Eles preferem manter a sociedade a seus pés, clamando, pedindo, suplicando, e quando sairmos do padrão, eles nos desejam ver definhando, sofrendo, morrendo.

Dos bastidores eu vejo o mal que domina as instituições do bem. A maquiagem terrena cobre a cara da mentira, legaliza o crime contra a vida e arma o destruidor de sonhos sob as condecorações de um minuto. Mas a cada corpo caído temos muitos outros tombando, famílias espremendo a última gota de esperança para continuar vivendo. Quem destrói a um fere a muitos, e essa hediondez não pode ser eterna.

Eu continuo lutando por justiça, porque não engano meus olhos e meu paladar não deseja o fruto do pecado. Mas minha sensatez revela o sentido de viver entre a morte; e ainda penso, sinto, idealizo e escrevo poesia, caminhando entre as pedras, na solidão de quem diz não.

Eu digo não ao beneplácido concedido ao poder tirano, aos covardes requintes de opressão impostos às mentes e aos corações de quem não aprendeu a interpretar.

Meu convite à vida é também um canto de saudade. Os traços suaves de um olhar adocicado, o abraço suado do menino que larga a bicicleta na porta de casa e entra para beber água, transpirando fantasias e alegrias da infância. A história incompleta do meu filho, adolescente sacrificado na guilhotina do poder, para limpar a sujeira de uma instituição assassina confessa.

E se eu não quiser mais erguer a bandeira da justiça, terei morrido. Mas quando eu morrer, terei deixado escrito que essa luta foi todo o sentido do meu existir: amar verdadeiramente todas as vidas.

 

 

 

2 respostas

  1. Belo texto! Sóbrio, lúcido, coerente e forte, como deve ser a voz da cidadania. A luta de vocês, Ana e Odilon, é a luta de quem ainda acredita em justiça, e quer que ela seja feita na forma da lei, e não da vingança que nos colocaria no mesmo patamar do criminoso a quem queremos combater.

SOBRE O AUTOR

..