Diversidade Religiosa e Direitos Humanos

Marcelo Henrique

“Toda crença é respeitável, quando sincera e conducente à prática do bem” Allan Kardec (item 838, de “O livro dos espíritos”).

Há alguns anos foi lançada a cartilha “Diversidade Religiosa e Direitos Humanos”, pelo Ministério da Justiça do Brasil (Secretaria Especial dos Direitos Humanos). O documento prima pela diversidade alteritária (eia vivas!), quando reproduz, em suas diversas páginas, excertos de pensamentos de notáveis líderes humanitários ou de filosofias e religiões da Terra, de todos os tempos. Encontra-se, então, referências a personagens “religiosos” de todos os tempos, como Jesus, Maomé, Moisés, Buda, Allan Kardec, Gandhi, Nelson Mandela, Santo Daime, Sathya Sai Baba, Bahá U’lláh, além de excertos do Judaísmo, do Hinduísmo, da Legião da Boa Vontade, da Encíclica Paz na Terra (Pacem in terris), da Comissão Ecumênica Nacional de Combate ao Racismo, da Encantaria Cigana, da Cosmovisão Indígena, das Religiões Afro-Brasileiras, e das Igrejas Metodista, Pentecostal O Brasil Para Cristo, Ministério Sara Nossa Terra, Presbiteriana Independente do Brasil e Evangélica Luterana do Brasil.

Eis, aí, uma verossímil prova da tentativa de entendimento entre distintas correntes e manifestações do pensamento humano, olvidando possíveis diferenças e investindo no referencial comum de todas: a promoção do Bem (individual e social).

O Estado Brasileiro, assentado sobre o ordenamento constitucional vigente, promulgado em 5 de outubro de 1988, afigura-se como laico (não tem e não deve ter religião), assegurando-se, em paralelo, o direito de expressão de pessoas e instituições, no mais amplo espectro da liberdade de consciência e de crença, e, por conseguinte, encontra-se protegida toda e qualquer forma de culto e liturgia. Há que se ressaltar, ainda, que a Declaração Universal dos Direitos do Homem, subscrita pela maioria das nações da atualidade planetária, afirma como direito fundamental da Humanidade a liberdade religiosa.

Liberdade, então, pressupõe independência, garantia de expressão pessoal, sem ingerência de qualquer natureza. Deste modo, importa salientar que qualquer tipo de exigência em face de princípios religiosos deve ser combatida tanto pelo Estado (e suas instituições públicas), como pelo cidadão. Reprovável, portanto, sob a ótica da liberdade de convicção religiosa, a atitude de colocação de símbolos religiosos (como crucifixos), em ambientes públicos (salas de audiência, cartórios, hospitais, escolas, faculdades e repartições públicas), ou mesmo privados (como escolas, universidades e outras instituições de saúde ou de ensino, principalmente), de vez que a opção religiosa deve ser de foro íntimo e, em face da característica de expressão de crença (fé), limitada aos ambientes de conotação religiosa (templos de qualquer culto).

O pressuposto da diversidade religiosa é a igualdade entre todas as expressões de inteligência, sentimento e crença religiosos, independentemente de seu tamanho, constituição, número de adeptos e características civis (se é uma associação, uma fundação, uma organização da sociedade civil de interesse público – oscip, ou uma organização não-governamental – ong, entre outras). Igualdade representa, assim, o mais amplo respeito pela forma de organização social, pela materialização da crença e pela atividade religiosa, sem interferência de qualquer tipo, seja governamental, seja privada, ressalvadas apenas as ações repressivas por parte de organismos públicos, no caso do desrespeito às basilares regras de convivência social, e, ainda, quando iminente ou real o perigo e o dano para pessoas ou instituições.

Neste sentido, no âmbito e no interior do templo, podem ocorrer quaisquer atividades que não sejam atentatórias contra os costumes, razão pela qual oferendas de qualquer natureza, praticadas no seio de filosofias e crenças só podem ocorrer quando não representem agressões ao meio-ambiente, aos animais e, é claro, não constituam sacrifícios ou imponham lesões corporais a seres humanos.

Podem, outrossim, as cerimônias de conotação religiosa, ocuparem espaços públicos, respeitando-se a legislação local (municipal, em regra), no que tange à solicitação de autorização estatal, o cumprimento de horários, o zelo pela segurança, saúde e higiene públicas, circunstâncias todas de conhecimento das autoridades constituídas. Assim é que, por exemplo, uma procissão – figura comum em face de nossa ascendência portuguesa – pode ser realizada em ruas e avenidas, geralmente desviando o trânsito usual e interferindo em atividades costumeiras e cotidianas daquele bairro, contando, assim, em função do respeito à diversidade, com a compreensão dos “irmãos de outras crenças”.

Muito diferente disto é realizar eventos que, sediados em locais residenciais, extravasam horários de repouso e descanso, interferindo diretamente na liberdade das pessoas e desrespeitando, entre outras, a chamada lei do silêncio. Note-se, aqui, que o direito de expressão religiosa de uns não pode, sob nenhum pretexto, ser invocado, para que se desrespeitem outros direitos, no caso, especificamente, o sossego alheio.

Felizmente, situações de abusos, intolerância e preconceito religioso no chamado “Estado Democrático de Direito”, são exemplos isolados e devem sempre ser condenados e reprimidos, assim como os efeitos devem ser objeto de ações judiciais, de ressarcimento de danos materiais e/ou morais. Em momentos anteriores, no Brasil, outros acontecimentos mais graves, inclusive com uso de força policial, promoveram desrespeitos a agremiações de cunho religioso ou filosófico-religioso. No âmbito das manifestações espirituais, centros espíritas foram apedrejados e há registros históricos de invasões a terreiros de umbanda e/ou candomblé, com destruições de instalações e aprisionamento de frequentadores. Episódios tristes da nossa história, marcados pelo ódio, o rancor e a intolerância.

Nos dias atuais, em que, noutros países, o fundamentalismo (de todas as expressões) e as “guerras santas” dizimam, diariamente, vidas e destroem patrimônios (pessoais e institucionais), podemos salientar positivamente a convivência (quase que totalmente) pacífica e respeitosa entre as filosofias e religiões em nosso país. Mesmo que, de certo modo, possam ser lembradas situações aviltantes e violentas (como o episódio de um pastor que “chutou” a imagem de uma santa católica, ou a referência textual, em programas televisivos ou nas missas e cultos, de que “este” ou “aquele” são “filhos de Satã”, ou “instrumentos do Diabo”), é de se enaltecer a tentativa de convivência e entendimento, expressa tanto pelo cotidiano de independência entre as religiões, como pela realização de eventos ou projetos “ecumênicos”, “conciliadores” ou “em parceria”.

Entendemos que é plenamente possível o inter-relacionamento verdadeiramente fraterno, com respeito às diferenças, enaltecendo o valor da diversidade na composição do grupo social brasileiro (e mundial, por conseqüência), aprendendo-se, ainda, com a alteridade na convivência, que representa, em simplicidade, a promoção e a concretização do diálogo entre as pessoas, sem interferências lesivas, sem imposição de qualquer matiz, motivada pelo simples prazer do “estar com o outro”.

A liberdade de expressão religiosa, destarte, possibilita que cada um continue filiado às suas próprias convicções, sem a necessidade de convencimento excludente, importando no investimento nas semelhanças e no respeito às diferenças. Em termos de filosofias que derivam do Cristianismo, sabemos nós que os laços que nos aproximam dos outros, independentemente do entendimento pessoal acerca das idéias cristãs, são infinitamente superiores aos detalhes interpretativos que lhes possam ser empregados, em razão da construção do saber religioso. Cabe-nos investir nos traços isonômicos, ampliando os laços e os canais comunicativos. E em amplitude maior, também se vislumbram semelhanças entre as religiões cristãs e não-cristãs, para que o imenso, plural, colorido e valioso quebra-cabeça da Cultura Universal possa ser, aos poucos, montado.

É gratificante ver a materialização deste esforço. É honroso ver a pactuação de tentativas (públicas e privadas) para concretização desse desiderato. E, além de tudo, é maravilhoso ver os espíritas engajados neste projeto. Que possamos fazer ainda mais!

Uma resposta

  1. Caros amigos, o julgamento imparcial das eventualidades garante a contribuição de um grupo importante na determinação dos paradigmas corporativos. Evidentemente, a mobilidade dos capitais internacionais estende o alcance e a importância do sistema de participação geral. Pensando mais a longo prazo, a constante divulgação das informações é uma das consequências do levantamento das variáveis envolvidas.

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