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Coaracy Fonseca: O monólogo de Deltan Dallagnol em Alagoas

Coaracy Fonseca- é promotor de Justiça e ex-procurador-Geral de Justiça

O 7º Congresso Estadual do Ministério Público de Alagoas, assim como os outros, foi um grande sucesso, já tivemos a oportunidade de termos por essas plagas o gênio do saudoso jurista baiano Calmon de Passos, então procurador de Justiça aposentado do Estado de Castro de Alves.

Confesso que cheguei ao primeiro dia do evento bastante entusiasmado para saber detalhes da denominada Operação Lava Jato, que desnudou a política, da qual sou grande defensor, com discordâncias pontuais, que opto por não expor nesse espaço. Os intocáveis sentiram e sentem o amargor do cárcere.

Com os meus 25 anos de carreira jurídica, aproximadamente 23 anos de Ministério Público, e também por não haver parado de estudar, tenho o hábito de realizar a análise dos discursos, sob os seus diversos aspectos, principalmente o viés ideológico.

Quem se propõe a palestrar deve estar preparado tanto para os aplausos como para os apupos, parafraseando o vetusto penalista Nelson Hungria.

Nesse passo, exerço o meu direito de crítica daquilo que consegui interpretar da fala do ilustre procurador da República, que nada me acrescentou para o melhor exercício de minha função. Ao revés, deixou-me bastante assustado por algumas de suas colocações.

Primeiro, defendeu a possível entrada de um ilustre e honrado colega na política não institucional, posição que vai de encontro ao meu entendimento sobre o assunto, pois compreendo que se o membro do Ministério Público ou da magistratura deseja ingressar na vida política – o que é legítimo – deve pedir exoneração do cargo, já falei sobre isso em outra crônica.

Por mais honrado e correto que seja o profissional ele não volta a ser o mesmo, no retorno- demonstra a psicologia.

São mundos distintos.

Segundo, de passagem, vibrou com a assunção de um juiz de Direito, temporariamente, no cargo de prefeito de uma cidade do interior, em razão do afastamento do gestor, certamente por irregularidades.

Terceiro, o formato da palestra, não sei de quem partiu a ideia, não permitiu o debate democrático, para o esclarecimento de algumas questões de ordem constitucional. Sou um promotor de Justiça e ardoroso defensor do Estado Democrático de Direito.

Entendo que a corrupção deve ser combatida com rigor, pois é causa de grandes males nas mais diversas áreas sociais, rouba a esperança de gerações.

Por outro lado, Justiça não se faz sem garantia dos direitos fundamentais de todo acusado ou arguido (nomenclatura portuguesa). O promotor de Justiça é, sobretudo, o fiscal do ordenamento jurídico e deve velar pela observância das regras do devido processo legal, sob pena de resvalar em arbítrio odioso.

O procurador de Justiça, hoje aposentado, Dr. Carlos Alberto Torres, em processo rumoroso de homicídio em Alagoas, na época eu era advogado no auge dos meus 22 anos, deu-me exemplo marcante do nosso papel.

Vencido na demanda, por votação apertada no Tribunal do Júri, apresentei recurso ao TJ/AL e, para minha surpresa, o então promotor de Justiça apontou uma nulidade favorável ao acusado.

Nasceu em mim, naquele momento, apesar da tradição jurídica familiar, o desejo e a vontade de ser promotor de Justiça, o que veio a se concretizar através de concurso público, na gestão do PGJ Dilmar Camerino.

Noutro giro, o ativismo judicial é uma realidade do século 21, mas deve ser visto com temperamentos, como tive ocasião de registrar em dissertação de mestrado, citando Ferreira Filho, ao acentuar que estaria a ocorrer o desprestígio dos políticos em “face dos magistrados como uma aristocracia togada (…) uma elite instruída preocupada com o justo. Justo este confundido com o interesse geral.”

Na mesma dissertação, que será publicada em breve, cito o então pensamento de Barroso e Barcelos ao advertirem que “a ponderação não é um convite para o exercício indiscriminado do ativismo judicial”. A política não pode ser demonizada, porém, os maus políticos devem ser afastados da vida pública, se possível pelo voto popular, pois o povo deve ser responsável por suas decisões, e não pode ser infantilizado.

Nelson Hungria, que recebeu duras críticas de Fernando de Morais, por um episódio envolvendo Assis Chateaubriand, soube muito bem apartar o Direito da Política, como ressaltou o grande Evandro Lins e Silva, ao negar o mandado de segurança, em 1953, impetrado em favor do presidente Café Filho, e numa de suas frases bem construídas chegou a afirmar: “a espada da Justiça é um mero símbolo … não pode ser oposta a uma rebelião.”

Eram tempos outros, hoje vivemos em uma democracia, com o advento da Constituição de 1988, que deve ser preservada. Uma Carta compromissória, que une o liberal ao social.

Por isso, com o devido respeito, a palestra do eminente e honrado Procurador Deltan nada me acrescentou. Ao contrário, saí com certo sentimento de indignação pela ausência do debate democrático, no campo das ideias. Senti bastante, pois sou um entusiasta da Lava Jato.

Demais disso, sou muito orgulhoso do nosso MP/AL e do Poder Judiciário alagoano, que têm feito o dever de casa, cada qual no seu quadrado, na luta infinda contra a corrupção. Temos bons promotores de Justiça e bons juízes, cônscios de suas funções.

Por derradeiro, desnudada a política, cabe agora desvestir o eleitor, no campo aberto da democracia, com respeito ao Estado Democrático de Direito, dentro das regras do jogo traçadas pela Carta da República.

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