Arapiraca: A história da ‘folhinha’ do ‘Aleijadinho de Alagoas’

Assessoria

O ano era 1978. O Rotary Club encomendou uma peça de arte para ornar uma das entradas de Arapiraca.

Àquela época, a cidade vivia o momento áureo do ciclo fumageiro, já considerada a “Capital do Fumo”.

O chamado Ouro Verde estava tomando os currais de fumo, havendo grande demanda de exportação do produto.

Imersa no auge econômico, Arapiraca precisava, então, de algo que simbolizasse a sua essência, a sua identidade, apesar da pouca idade.

No final da década de 1970, havia pouco mais de 50 anos da Emancipação Política obtida pelo “homem dos olhos azuis” Esperidião Rodrigues. Ainda assim, o município tinha ares de potência; de que iria crescer muito mais e dar frutos, apropriando-se da metáfora arbórea de seu nome.

Mas não foi a árvore Arapiraca que acabou por ser o símbolo-mor do nosso povo e, sim, a folha de fumo.

E foi naquele mesmo ano de 1978 que o escultor Alexandre Tito entregou ao Rotary aquilo que a cidade precisava: um espelho.

Hoje os arapiraquenses se enxergam a partir desse mesmo espectro da labuta, do empreendedorismo, do verde emanado do campo, ontem e agora.

A Folhinha, escultura que fica na altura da rodovia AL-220, logo à entrada da Avenida Deputada Ceci Cunha, representa isso. Esse foi o maior presente que alguém poderia dar ao município que o acolheu.

O marco rotário fica em uma das entradas da cidade (Foto: Reprodução/ internet)

Para o presidente do Rotary Clube Internacional em Arapiraca, o empresário Mauricésar Fernandes, isto é muito significativo.

“Na época foi realizada uma votação para elencar o que poderia ser o ‘marco rotário’ no nosso município, uma prática feita em todos os Rotarys do país, colocando monumentos em trevos de acesso às cidades. Como Arapiraca era o 2º maior produtor de fumo do Brasil, os membros acharam justo homenagear a agricultura com essa escultura da folha do fumo. Além de ‘marco rotário’, ela acabou virando marco cultural, nos representando aqui e fora de Alagoas”, pontua Fernandes.

VOCAÇÃO

Alexandre Tito, na verdade, foi radicado em Arapiraca. Nascido em 18 de abril de 1927 em Ouro Branco-AL, no antigo Olho d’Água do Chicão, chegou na Terra de Manoel André ainda em 1951.

Ele era de família humilde, tendo trabalhado como motorista de caminhão e de automóvel de aluguel por diversos anos. Até descobrir seu talento, sua vocação para as artes. Em 1977, decidiu abandonar a estrada como caminhoneiro e se dedicar ao seu real ofício.

Alexandre Tito foi considerado o “Aleijadinho de Alagoas” (Foto: Arquivo pessoal da família/ cortesia)

“Meu pai foi um dos maiores artistas do Nordeste. Além da Folhinha, no trevo de Arapiraca, foi criador de grandes obras de arte, como o Cristo do Goiti, na Serra do Goiti, e a Índia, na Praça do Açude, ambos em Palmeira dos Índios, entre outras peças”, diz um dos nove filhos dele, o Tito Alexandre Neto, ressaltando-o também como artista plástico e poeta popular.

Em 1967, com organização de Ismael Pereira, durante os festejos de Emancipação e a inauguração do Real Hotel, aconteceu em Arapiraca o 1º Salão de Arte, contando com Zezito Guedes, Izabel Torres, José de Sá, Mauro Jorge, Chico Artes, Sebastião “Bibi” Ferreira e ele, Alexandre Tito. A exposição reuniu artistas de vários segmentos com pinturas, desenhos e esculturas em madeira e gesso.

A imprensa daquele tempo já o chamava de “Aleijadinho de Alagoas” por conta de seu estilo que remetia ao rococó e ao barroco — o artista mineiro Antônio Francisco Lisboa, mais conhecido como “Aleijadinho”, é considerado um dos maiores do Brasil colonial.

Por exemplo, depois de 1931 com a inauguração do Cristo Redentor, no Rio de Janeiro, mais de 200 exemplares parecidos se espalharam por todo o país.

Este é um dos principais pontos turísticos de Alagoas (Foto: Reprodução/ internet)

Em 1979, Alexandre Tito fez a sua versão do Salvador, mas no estilo refinado que tanto sabia, trazendo traços mais robustos à obra. Recentemente restaurada, a estátua fica no alto da Serra do Goiti, um dos pontos turísticos mais visitados de Palmeira, e tem cerca de 24 metros de altura.

E no final daquela década, por dois anos, o escultor, artista plástico e poeta ensinou Educação Artística para cegos, surdos e mudos na escola de alfabetização do antigo Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral). Gostava de compartilhar o conhecimento.

POLÊMICA

Já em 1988, também em Palmeira, ele fez a escultura da índia Txiliá, na Praça do Açude. Alguns moradores acharam que a nudez proposital da índia ia de encontro com a moral e os bons costumes da cidade interiorana.

Mas, à frente de seu tempo, Alexandre Tito queria representar a pureza da mulher, abordando o corpo não sexual que todos nós temos.

Monumento fica em uma das principais praças de Palmeira dos Índios (Foto: Reprodução/ internet)

Segundo a lenda, a origem da cidade de Palmeira teria ligação a ela e ao índio Tixili. Txiliá estaria prometida ao cacique Etafé, mas era apaixonada pelo primo Tixili. Em certo momento, no meio da mata, os dois se beijaram. Isso o teria condenado à morte por inanição. Etafé, vendo o beijo, atinge a índia com uma flechada. Os dois caem sem vida. Ali, daqueles corpos cruzados, nasceria uma palmeira, sinalizando o amor dos dois florescendo.

Feita toda de bronze, a estátua de Txiliá está de cócoras encarando o infinito, sem dar ouvidos às polêmicas dos vivos por ela estar parcialmente nua.

Ao longo dos anos, Alexandre Tito foi também fazendo esculturas mais próximas do povo, como presépios em tamanho real; diversas imagens do Padre Cícero, no tamanho de 1,65 metro, que estão em vários sítios e povoados de Alagoas; e representações de santas, como Nossa Senhora da Conceição, com mais de 2 metros, doada ao empresário Benedito Ribeiro.

O artista radicado em Arapiraca exibindo as peças (Foto: Arquivo pessoal da família/ cortesia)

Nos últimos anos de vida, já aposentado, só fazia peças por encomenda, com o apoio de amigos e apreciadores de seu trabalho minucioso. Deixou nove filhos e cerca de 40 netos. E deixou para Arapiraca o seu legado e o símbolo que carregamos em camisas, chaveiros, ímãs, porta-retratos e no coração.

LEMBRANÇA

Sempre que alguém vem para Arapiraca de outra cidade ou estado, o pensamento é levar algo que remeta ao local.

As famosas “lembrancinhas” vêm em boa hora. E as que mais são comercializadas no Mercado do Artesanato Margarida Gonçalves, no Centro, segundo a artesã Joselma Maria da Conceição, a “Janete”, é justamente a “Folhinha”.

A artesão exibe com orgulho algumas de suas produções com o símbolo arapiraquense (Foto: Breno Airan)

“A ‘Folhinha’ é a cara da nossa cidade. Quem vem aqui já leva logo ela, porque Arapiraca ainda é, ao menos na cabeça das pessoas, a ‘capital do fumo’. Isso é muito forte”, conta ela, que fica nos boxes 22 e 23.

Ela está no Mercado com o Artesanato Aurora há mais de seis anos e afirmou que “com certeza, esse é o item que mais sai aqui”.

Por lá, a “Folhinha” realmente impera em meio a redes, chapéus, pulseiras, cordões, bolsas, sandálias de couro, luminárias, brincos, berrantes e quadros. Há chaveiro da “Folhinha” (R$ 2), ímã de geladeira (R$ 3), porta-caneta, porta-pano-de-prato e decoração (média de R$ 20) e porta-cachaça (R$ 40).

“Estamos chegando no fim do ano e o número de turistas aumenta muito por aqui. Vou providenciar a madeira cortada para confeccionar mais peças. Eu mesma que faço a montagem e a pintura. E é tudo com muito carinho… para as pessoas lembrarem da nossa terra!”, pontua Janete.

Tanto ela como Alexandre Tito foram cuidadosos na escolha do que queriam passar adiante. A artesã com a mão no presente e o escultor com a mão no futuro.

Chaveiro da “Folhinha” é um dos mais queridos (Foto: Breno Airan)

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