Antropofagia orgiástica, por Zé Celso Martinez

O homem do teatro, que engole o passado e rasga o futuro

Rede Brasil Atual

José Celso Martinez Corrêa tem 74 anos e mais de meio século de uma relação de unha e carne com a cultura brasileira. Estava na Faculdade de Direito no Largo São Francisco, em 1958, quando foi criada a Associação Teat(r)o Oficina Uzyna Uzona Existência Criativa. Vulgo Teatro Oficina, cuja fase profissional foi inaugurada em 1961, com a locação da sede da companhia na Rua Jaceguai, no bairro paulistano do Bixiga, a tradicional Bela Vista. Ali, há anos trava uma batalha para que os terrenos no entorno do atual prédio, projeto arquitetônico de Lina Bo Bardi, não sejam engolidos pela degradação imobiliária que desvirtua as características da região. Os imóveis pertencem a Silvio Santos, homem de negócios ávido por vendê-los, ou por receber do poder público, em troca, outros imóveis com os quais possa fazer caixa.

Na década de 1960, o Oficina revolucionou a dramaturgia brasileira com obras como Pequenos Burgueses, de Maximo Gorki, e O Rei da Vela, de Oswald de Andrade. No exílio, entre 1974 e 1979, Zé Celso trabalhou em Portugal, Moçambique, França e Inglaterra, produziu obras como O 25, que narra a libertação de um país africano, e O Parto, sobre a Revolução dos Cravos. A partir da abertura, o grupo voltou a se reunir em São Paulo e, durante dez anos, batalhou para levantar o novo teatro. Finalmente aberto em 1993, inaugurou nova fase, com adaptações de obras clássicas da dramaturgia mundial, como Hamlet, de Shakespeare, e As Bacantes, de Eurípides.

No início deste século, o grupo ousou projeto em torno de Os Sertões. As montagens das três partes do livro de Euclides da Cunha – O Homem, A Terra e A Luta – somaram­ 25 horas de apresentações, entre 2001 e 2006. No período, o Oficina abriu-se ainda mais para o social. Nasceu o Movimento Bixigão, com trabalhos artísticos entre crianças e jovens em situação de risco social. No dia 30 de setembro, o Jornal Brasil Atual levou ao ar entrevista exclusiva de Zé Celso. O “clima sonoro” inteiro da conversa pode ser ouvido no site da Rádio Brasil Atual. Leia a seguir os principais trechos.

Zé Celso, homem do Teatro Oficina, que comemora 50 anos de trabalho. Isso o remete ao passado ou…
Não, eu invisto no presente e no futuro. Tiro proveito do passado, claro, eu sou antropófago. Nós estamos fazendo, do Oswald de Andrade, inspirado no Manifesto Antropofágico, uma macumba antropófaga urbana, e com um objetivo específico. Assim como você faz macumba pra conseguir namorada, ou o que for, essa é para conseguir a troca de terrenos – porque o Silvio Santos propõe, nesse momento, que os terrenos dele sejam trocados por terrenos do poder público – para podermos construir lá um teatro-estádio, uma universidade antropófaga, reflorestar o bairro e devolver aquilo que lhe foi destruído na época da ditadura e do Minhocão. E para que volte a ser o coração de São Paulo, cosmopolita e popular, como a Lapa no Rio de Janeiro.

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