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15 de novembro é dia de celebrar a Umbanda

Nunca é tarde para melhorar nossos conhecimentos! Esse consolo grande abarca minha subjetividade, quando desejo escrever sobre um tema que me encanta, dentro do qual me movimento com cuidado no reconhecimento da ignorância que me abrange e do respeito que me sua força me impõe.

Após ler um texto do Historiador Luiz Antonio Simas (link abaixo), vim a saber que no 15 de novembro é celebrada a Umbanda no Brasil, em referência à sua história de origem.

” A umbanda, religião que comemora o seu mito de origem no dia 15 de novembro, pode ser percebida como um resultado do amálgama entre os ritos de ancestralidade dos bantos, calundus, pajelanças indígenas, catimbós (o culto fundamentado na bebida sagrada do tronco da jurema), encantarias, elementos do cristianismo popular ibérico e do espiritismo kardecista. Seus saberes moram na encruzilhada da cristianização dos ritos africanos e da africanização do cristianismo, com o tempero profundamente indígena, acrescentado aos poucos por diversas contribuições.”

Meu berço católico por certo foi a primeira das minhas limitações com relação à diversidade religiosa do meu próprio país, e apenas as portas do saberes trariam frestas de iluminação para diminuir preconceitos e medos plantados.

Ainda na adolescência, uma benzedeira interiorana me levou para baixo de uma árvore sagrada que trazia beleza e perfume ao seu quintal, me autorizando a esmagar as folhas e conhecer o que ela me garantia ser um pé de Jurema. Para mim à época não dizia mais que isso, e guardei aquele perfume na memória, pois outro encontro igual não voltou a ocorrer.

Leituras futuras me diriam mais. Assim como o relato do historiador:

” Mas vamos ao mito de origem. A versão mais famosa para a criação da umbanda transita em torno do dia em que no distrito de Neves, na cidade de São Gonçalo / RJ, o jovem Zélio Fernandino de Moraes sofreu uma paralisia inexplicávelZélio teria, depois de certo tempo, se levantado e anunciado a própria cura. A mãe do rapaz o levou a uma rezadeira conhecida na região, que incorporava o espírito do preto velho Tio Antônio.

Tio Antônio disse que Zélio era médium e deveria trabalhar esse dom. No dia 15 de novembro de 1908 (algumas versões sugerem que o fato teria ocorrido em 1907), por sugestão de um amigo do pai, Zélio foi levado à Federação Espírita de Niterói. Subvertendo as normas do culto, Zélio levantou-se da mesa em que estava e disse que ali faltava uma flor. Foi até o jardim, apanhou uma rosa branca e colocou-a, com um copo d’água, no centro da mesa de trabalho.”

Das lides do catolicismo que muito me humanizou com experiências pastorais em caráter comunitário e lutas populares, o encontro com o kardecismo foi se tornando inevitável. Mas onde se dizia não alimentar dogmas, foi onde os encontrei aos borbotões! Um senso de seletividade vibracional foi sendo trabalhado em mim, até a descoberta das ilusões humanas que o engendram. A mesa mediúnica é uma escola com professores multidimensionais!

‘‘Não haverá caminhos fechados para mim’, é a fala trazida pelo Caboclo das Sete Encruzilhadas!

Porque o que fecha os caminhos tem sempre o tamanha da ignorância! E a chave que os abre não está no completo domínio dos encarnados. Não está segura nas mãos de sacerdotes e nenhuma outra autoridade! Está com a vida, que ultrapassa arrogâncias e recria cenários.

Qual estudioso espírita não entra em conflito íntimo ao ouvir relatos de pseudo-sábios e comparar com a sabedoria dos pretos  e das pretas nos colóquios mediúnicos? Como não sentir a amorosidade assertiva de um amigo Preto Velho, como Pai Zé, a quem saúdo neste texto?!

Mas a história do confronto entre culturas de fé, explicam algumas nuances.

“Ainda segundo a versão mais famosa, Zélio incorporou um espírito e simultaneamente diversos médiuns presentes receberam caboclos, índios e pretos velhos. Instaurou-se, na visão dos membros da Federação Espírita, uma confusão sem precedentes. Ao ter a atenção chamada por um dirigente da Federação Espírita, o espírito incorporado em Zélio perguntou qual era a razão para evitarem a presença dos pretos e caboclos do Brasil, se nem sequer se dignavam a ouvir suas mensagens.

Um membro da Federação inquiriu o espírito que Zélio recebia, com o argumento de que pretos velhos, índios e caboclos eram atrasados, não podendo ser espíritos de luz. Ainda perguntou o nome da entidade e ouviu a seguinte resposta:

Se julgam atrasados os espíritos de pretos e índios, saibam que amanhã darei início a um culto em que os pretos e índios poderão dar sua mensagem e, assim, cumprir a missão que o plano espiritual lhes confiou. E se querem saber meu nome que seja este: Caboclo das Sete Encruzilhadas, porque não haverá caminhos fechados para mim.”

O território da fé não prescinde de elementos políticos! Nunca foi possível aqui na terra fazer esta “assepsia”, pois os elementos da política territorial, econômica, cultural, sempre estiveram nos postos de guarda, para facilitar ou dificultar a legitimidade dos sagrados.

A religiosidade do colonizador veio com a cor da Europa, e sempre foi mais fácil abrir os caminhos para a branquitude! O caboclo e o negro foram postos na plataforma da diminuição, para que aquilo que os representasse carregasse também a marca da marginalidade.

Foi nos centros espíritas que encontrei as afirmações mais preconceituosas sobre os cultos de negros e caboclos, embora também tenha sido na seara espírita que tenha encontrado as informações contrárias e vivenciado as experiências marcantes de iluminação da consciência de fé.

“É sintomático que a umbanda tenha começado a estruturar o seu culto em um momento singular dos debates sobre a construção da identidade nacional: o pós-abolição e as primeiras décadas da República. Em certo sentido, o que o Caboclo das Sete Encruzilhadas anuncia não é só a religião. A chegada dos pretos velhos, dos caboclos, do povo de rua, da linha dos ciganos, dos boiadeiros, dos baianos, aos terreiros do Brasil, diz muito sobre a história do samba, da capoeira e da popularização do futebol. Diz ainda sobre a inviabilidade de se pensar a identidade nacional com a confortável fixidez que os ideólogos do branqueamento racial e os gestores do projeto colonial, continuado pela República, sugeriam no período.”

A fé como instrumento psicossocial de entendimento humano também careceu de instrumentalização acadêmica. Meu entorno por mais diverso que fosse, não conseguiria me levar aos povos de mensagens antropológicas profundas, e foi a busca pelo conhecimento que me levou a afrontar o medo primevo, desmascarando a demonização do desconhecido.

“A história da umbanda e os significados do seu mito fundador contam muito sobre os tensionamentos da formação brasileira. Há um país oficial que ainda tenta silenciar os índios, os caboclos, os pretos, os ciganos, os malandros, as pombagiras (mulheres donas de seus corpos em encanto); todos aqueles vistos como estranhos por um projeto colonial amansador de corpos, disciplinador de condutas e aniquilador de saberes.”

Desenlaçar a mente e a voz de paradigmas que nos incluem em rodas de privilégios é um doloroso salto sobre nossas próprias limitações, mas se torna condição de continuidade na busca pelo entendimento útil. Pois ainda se conhecermos todos os mecanismos que movem os sistemas de sociedade, sem transitarmos minimamente pela alçada humana, de pouco adiantará saber.

Essa ignorância explosiva está efervescendo no Brasil contemporâneo! Ela assusta, intimida, ameaça e compromete o crescimento coletivo.

“A umbanda está em crise, espremida pelo preconceito e as ações terroristas de ataques aos terreiros por designações neopentecostais. É ainda desqualificada por discursos essencialistas que erguem bandeiras de purezas no meio da encruzilhada em que o Brasil foi assentadoSofre também do desprezo que o monorracionalismo viciado e eurocêntrico nutre pela multiplicidade de suas potências.”

Mas será a energia humana em consonância com as vibrações transformadoras que emanam do cosmo, o parâmetro de força que erguerá as barreiras da resistência ao caos.

A brasilidade de quem sabe, tendo aprendido com a vida, com os livros, com as dores e com os amores, fontes de ensinamentos e redenções, haverá de agir no impulsionamento da sagrada presença.

“Apesar disso, ou por isso mesmo, afirmo que o Caboclo das Sete Encruzilhadas permanece sendo um poderoso intelectual brasileiro. Nunca achei mera coincidência que seu brado insubmisso tenha sido lançado no aniversário da proclamação da República. Seu protesto gritado na ventania, suaflechas atiradas na direção da mata virgem, clamam por uma aldeia que reconheça a alteridade, as gramáticas não normativas, as sofisticadas dimensões ontológicas dos corpos disponíveis para o transe, a generosidade dos encontros, as tecnologias terapêuticas e populares do apaziguamento das almas pela maceração das folhas e pela fumaça dos cachimbos do Congo.

É ainda o brado mais que centenário do Caboclo das Sete Encruzilhadas que joga na cara do Brasil, como amarração, nosso desafio mais potente: chamem os tupinambás, os aimorés, os pretosos exus, as pombagiras, as ciganas, os bugres, os boiadeiros, as juremeiras, os mestres, as encantadas, as sereias, os meninos levados, os pajés, as rezadeiras, os canoeiros, as pedrinhas miudinhas de Aruanda. Chamem todas as gentes massacradas pelo projeto colonial (e cada vez mais atual) deaniquilação. A pemba risca os ritos desafiadores de afirmação da vida.

A história exemplar da umbanda é um ponto riscado de louvação aos excluídos pelo Brasil oficial. Ao cultuar(aparentemente) os mortos, é exatamente contra a morte que o brado e a flecha do Caboclo ainda ressoam: quem encantou a sucuri, macerando no toco a folha serenada, despertou de beleza amata escura.”

Neste Brasil que alardeia a feiura do ódio, possa responder em beleza a ancestralidade liberta e libertária!

Salve a Umbanda, neste 15 de novembro de 2018!

http://revistacaju.com.br/2018/11/15/o-pais-de-sete-encruzilhadas/?fbclid=IwAR0XjzDFKlNS6l0bEUiNogPjWjdpinhJ1pScv99Sd-WglJ3XTx5CMQY0sR0

 

 

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