Sem psicólogos, escolas indígenas socorrem alunos em crise usando ‘boa vontade’

A professora chega cedo ao trabalho. É mais um dia, como tantos, numa escola indígena do interior de Alagoas.

A diferença é que uma aluna está em crise de ansiedade. Ninguém na escola sabe como lidar com um problema que atinge milhares de outras pessoas e, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), requer “necessidade urgente” de atenção.

“Chamem a coordenadora”, grita a professora. A mulher chega e atua com boa vontade e esforço. Mas em casos assim, é preciso bem mais: se a escola tivesse um profissional de saúde mental, os rumos poderiam ser diferentes.

A OMS diz que “em todos os países, são as pessoas mais pobres e desfavorecidas que correm maior risco de problemas de saúde mental e que também são as menos propensas a receber serviços adequados”.

De fato, todas as escolas públicas de Alagoas carregam deficiências mas as indígenas estão em situação ainda pior. E a saúde mental acaba sendo jogada para último plano.

Incertezas

O Brasil passou a ser um território fértil para incertezas. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) 9,3% dos brasileiros sofrem de ansiedade patológica. É a maior população com prevalência de transtornos de ansiedade do mundo, aproximadamente 18,6 milhões de pessoas.

“Precisamos nos virar nos 30, aqui precisamos ser um pouco de tudo. Muitas vezes temos que tomar o papel do psicólogo e do assistente social. É mais comum do que você imagina. Acontece desentendimento em sala de aula? Chama a coordenadora! Acontece de um aluno chegar chorando, e aí me chamam. Psicólogo aqui faz falta”, diz a coordenadora da escola indígena.

O Repórter Nordeste não vai revelar o nome da aluna nem da escola, em respeito aos envolvidos.

Porque quando se fala em saúde mental, quem está do lado ‘de fora’ julga e condena pessoas que precisam de cuidados especiais, não desprezo ou palavras depreciativas.

A rede estadual possui 312 escolas em funcionamento, 17 são de educação indígena e 1 quilombola.

Nenhuma das escolas indígenas possui serviços de psicologia.

“Nós temos um psicólogo na área da saúde para atender a população indígena no geral, mas é um psicólogo contratado (…) nas escolas mesmo não tem nenhum que atuem diretamente com a educação indígena”, afirmou uma professora que trabalha na Escola Estadual Indígena Pajé Miguel Selestino, território Xucuru-Kariri.

Situação semelhante ocorre no território Wassu Cocal, localizado em Joaquim Gomes. Um professor destacou que as escolas precisam de psicólogos “urgentemente”, pois, segundo ele, tem sido comum “alunos apresentando crises psicológicas”. Ele afirma que a equipe diretiva da escola é que acaba tendo que lidar diretamente com essas questões, que fogem de suas funções.

Difícil lidar com emoção 

De acordo com uma pesquisa feita pelo Datafolha e publicada em junho de 2022, 34% dos estudantes estavam com dificuldades de controlar suas emoções desde que voltaram as aulas presenciais após a pandemia. O número sobe para 40% só no Ensino Médio.

Leia também:

Crise de ansiedade coletiva é reflexo de educação pública sem psicólogos

Um episódio de crise de ansiedade coletiva virou público: na escola Estadual Professor Edmilson Vasconcelos Pontes, no bairro do Farol, 20 crianças e adolescentes apresentaram sintomas de ansiedade e pânico e tiveram que se atendidas pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu).

O Repórter Nordeste procurou a Secretaria de Estado da Educação (Seduc/AL) e questionou a respeito das ações que a secretaria vem desenvolvendo para fazer cumprir a Lei 13.935/19, que dispõe sobre os serviços de psicologia e serviço social na rede pública de educação básica. (veja o que diz a lei)

Veja o que informou o órgão em 21/03:

“A Seduc já desenvolve diversas ações, sobretudo em razão da pandemia, voltadas à questão socioemocional de servidores e estudantes da rede estadual de ensino. Na escola onde houve o episódio envolvendo alunos com crise de ansiedade, a equipe da Sala de Recursos agiu de pronto. Ela também dispõe de convênio com o Cesmac para oferta desse serviço. Hoje, a escola recebeu, inclusive, a visita de equipe da Secretaria de Saúde, que se colocou à disposição para auxiliar a direção da unidade no acolhimento da aluna que ‘desencadeou’ o surto. Vale destacar, ainda, que as aulas seguem normalmente na escola.”

No dia 24 de maio de 2022, a Seduc publicou um portaria que instituiu criação do Núcleo de Acompanhamento Psico Socioassistencial (NeAPSA) na rede estadual. O que consta no anúncio é que uma equipe multiprofissional composta por psicólogos e assistentes sociais atuarão no combate aos impactos socioemocionais da pandemia em estudantes e servidores.

Entretanto, a Seduc informou ao Repórter Nordeste que o projeto em questão não caminhou como deveria em virtude das restrições impostas pela legislação eleitoral em 2022.

Lei n. 13.935/19

Ao que consta na Lei, os sistemas de ensino iriam dispor de 1 (um) ano, a partir da data de publicação (11 de dezembro de 2019) para tomar as providências necessárias ao cumprimento das disposições previstas. Já estamos em 2023.

Desassistida pelo Estado, a rede escolar fica para trás em buscar soluções para problemas de saúde mental e assistência social que deveriam auxiliar equipes, profissionais e estudantes na jornada de ensino. Entre os problemas a serem discutidos, o da saúde mental agora recebe holofotes após situações de violência que acontecem pelo Brasil e sintomas emocionais associados a ansiedade e depressão nas escolas.

Veja também:
Aluno que matou professora fez quiz sobre assassinos

O Conselho Regional de Psicologia (CRP-15) foi procurado para que pudéssemos entender as ações que tem desenvolvido para a implementação da referida Lei em Alagoas. Até a última atualização deste texto, não houve resposta.

É do interesse da categoria dos profissionais da Psicologia, porém, a mobilização para que sejam lançados editais para contratação temporária ou para concursos públicos a fim de que a rede pública de educação contemple a categoria em seus quadros técnicos.

O Sindicato dos Psicólogos de Alagoas (SindPsi/AL) foi procurado e o espaço segue aberto para um posicionamento, até o momento não houve resposta.

.