Segurança coletiva

Maria Luiza Viotti-O Globo

A defesa do diálogo e da solução pacífica de controvérsias é uma das tradições – no discurso e na prática – da política externa brasileira. Para o Brasil, o uso da força pela comunidade internacional deve ser sempre o último recurso, depois de esgotadas todas as possibilidades da diplomacia e de uma solução negociada. Ações militares implicam elevados custos em vidas humanas, além de outras graves consequências, políticas e econômicas.

Temos insistido em que a ONU priorize ações preventivas e esforços de mediação. Aplaudimos a iniciativa do secretário-geral Ban Ki-moon de estabelecer 2012 como o ano da prevenção.

Como afirmou a presidente Dilma Rousseff em seu discurso na abertura da Assembleia Geral, “o mundo sofre, hoje, as dolorosas consequências de intervenções que agravaram os conflitos, possibilitando a infiltração do terrorismo onde ele não existia, inaugurando novos ciclos de violência, multiplicando os números de vítimas civis. Muito se fala sobre a responsabilidade de proteger, pouco se fala sobre a responsabilidade ao proteger. São conceitos que precisam amadurecer juntos”.

O conceito da “responsabilidade de proteger” acaba de completar dez anos desde sua primeira formulação. Foi desenvolvido com o propósito legítimo de evitar que populações sejam vítimas de genocídio, limpeza étnica, crimes de guerra e contra a humanidade.

A recente intervenção armada na Líbia, com a justificativa de proteção de civis, demonstrou a necessidade de aperfeiçoá-lo. Causaram preocupação a extensão da força empregada, a incapacidade de se combinar e calibrar a ação militar com a diplomacia, a interpretação questionável do mandato conferido pelo Conselho de Segurança e a falta de acompanhamento pelo próprio Conselho das ações empreendidas em nome de todos os membros da ONU. Invocou-se a “responsabilidade de proteger”, mas faltou “responsabilidade ao proteger”.

O Brasil apresentou, em novembro, ao Conselho de Segurança, o conceito de “responsabilidade ao proteger” com os seguintes elementos: a valorização da prevenção e dos meios pacíficos de solução de controvérsias; a excepcionalidade do emprego de meios coercitivos, especialmente o uso da força; a obrigação de que a ação militar não cause danos maiores do que aqueles que tenciona evitar; a observância rigorosa dos mandatos; a importância da proporcionalidade e de limites para o emprego da força, nas circunstâncias excepcionais em que for necessário contemplar o seu uso; e a necessidade de monitoramento e avaliação da implementação das resoluções.

A proposta brasileira tem recebido apoio de muitos países, ONGs e acadêmicos. A missão do Brasil junto à ONU já realizou um amplo debate com embaixadores de 25 países de todas as regiões do mundo e estudiosos do tema. A percepção compartilhada pela grande maioria foi a de que a iniciativa brasileira deu início a uma discussão que se tornou crucial após o episódio da Líbia. Em seminário recente organizado pela Stanley Foundation, com as principais autoridades mundiais no assunto, a iniciativa brasileira foi um dos elementos centrais dos debates, tendo sido bem acolhida e objeto de menção muito positiva por parte do secretário-geral da ONU.

Encorajado pela receptividade ao conceito da “responsabilidade ao proteger”, o Brasil deverá organizar um debate na ONU a ser presidido pelo ministro Antonio de Aguiar Patriota.

O apelo político à prevenção, à moderação e à ação criteriosa no exercício da segurança coletiva, por meio da “responsabilidade ao proteger”, segue a tradição da diplomacia brasileira. Temos credibilidade para promover esse debate na ONU porque nosso discurso em favor da paz é amparado por atuação que vai além da retórica e valoriza, na prática, a diplomacia e o diálogo. Pretendemos, de forma franca e construtiva, levar adiante esse debate indispensável, com o objetivo de contribuir para o aperfeiçoamento da ação da ONU e para sua maior eficácia na promoção da paz e da segurança internacionais.

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