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Porque Alexystaine Laurindo virou símbolo dos Direitos Humanos

70 anos da declaração Universal dos Direitos Humanos devem servir ao menos para nos fazer perceber que a maioria de nós, brasileiros, não leu este documento universal.

Grande parte de nós não se reconhece incluída em suas linhas.

Os governantes brasileiros em geral, atuam na contra-mão da declaração.

Nosso país descarrilou no último pleito eleitoral e se tornou um “combatente” da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Minha história pessoal é marcada pelo desconhecimento dos Direitos Humanos e desrespeito institucional a eles; resultando em um tragédia que poderia ter sido evitada. No livro assinado por mim e por Odilon Rios, “Bastidores da Violência (e dos violentos) em Alagoas”, desfiamos o que foi possível, sobre a triste saga de nosso filho Alexystaine Laurindo.

Por causa de uma pequena brita que atingiu um carro da guarda municipal em Matriz de Camaragibe, cidade do norte alagoano, o menino de 12 anos foi torturado e preso em um cela cheia de adultos na Delegacia Regional.

Você leitor não creia que pode imaginar o que nos aconteceu naquela fatídica noite de 30 de agosto, porque nem nós mesmos conseguimos definir, explicar, mensurar!

“Em seus depoimentos, Taine afirma sempre que foi perseguido pela viatura da guarda, por ela atropelado, caindo da bicicleta no meio da rua, para receber uma pisada nas costas( eu vi a marca na camisa e mostrei publicamente numa reunião na qual o Ministério Público se fazia representar), ter um revólver posto na cabeça (ouvindo o barulho de “click”) e ser algemado e levado à delegacia”.

Era um início de algo que nunca iria acabar.

A escrita foi e ainda é a nossa forma de esmiuçar essa história de dor e luta, pois no instante acima descrito uma vida em flor começou a minguar.

“Até então, quele menino nunca vivera agressão alguma que pudesse ser comparada a essa. Vinha da arte no quintal, da subida na mangueira, do jogo de bola no meio da rua, banhos de piscina e muito apetite! Mas era apenas o princípio do seu martírio que aquele triste agosto pontuava.”

Nós precisávamos escrever o livro acima posto, para que os detalhes não fossem levados pela poeira do tempo. E todas as aspas deste texto, são trechos do livro, percebam as minúcias.

“Na noite fatídica, a sua chegada na delegacia, em acordo com os depoimentos que deixou escrito, e uma parte deles dorme no arquivo da Corregedoria da Polícia de Civil de Maceió, foi recebido com um safanão por um policial negro, o qual jamais conheci pelo nome, pois essa atitude foi considerada pequena demais pelo Ministério Público para ser registrada. Era a recepção a um menino assustado, enlameado pela queda no atropelamento, ferido no corpo e no psiquismo, em um mundo desconhecido e pavoroso, que o recebia algemado. Marcavam para sempre sua história com a pior das ferraduras, pois era na autoimagem que a brasa viva da maldade atuava.”

Mesmo que o tempo passe veloz, confesso a você leitor que nunca diminui a dor quando faço esse relato; uma sensação surda de desconsolo e impotência, diante de um mundo de indiferença. Mas da mesma maneira que afunda a alma, a impulsiona, por isso seguimos na defesa dos Direitos Humanos.

Direitos que  no Brasil, cegamente buscamos desmoralizar enquanto nação votante, capaz de eleger quase todos os que se colocaram avessos a eles.

Acreditando que a violência estrutural só afeta nossos inimigos, aqueles a quem categorizamos como lixos sociais, fechamos os olhos para os inocentes que são vitimados ao bel prazer de  autoridades incompetentes e viciadas; fechamos os olhos para as leis que deveríamos fortalecer, porque o propósito da existência delas é nos proteger, mas o moralismo sintomático, analfabetiza uma sociedade.

“Quando recebemos Alexystaine, era o trauma personalizado. Sua história feliz, até então, virava um conto de terror, que se estenderia até a consumação do seu martírio, em 22 de novembro de 2010. com dois tiros, um no abdome e outro no ouvido, por mãos marginais de 17 anos, por motivo torpe, na mesma cidade onde a desdita iniciou. Não houve para isso explicação convincente. Mas também não houve rigor algum por parte da polícia, que comodamente, atribuiu o crime a um suposto envolvimento da vítima com drogas, o que aliás, tem bastado para satisfazer nossa sociedade, diante de tão calamitosos números de adolescentes e jovens assassinados em Alagoas.”

Para encobrir um crime institucional sempre haverá necessidade de se cometer mais crimes, e mesmo com aparatos legais ao dispor, o sistema disseca nossa sanidade, expõe nossos corações sangrados e busca levar o rosto dos nossos filhos para a vala comum da marginalidade que eles criam para justificar as injustiças.

Eu mãe, luto pela memória do meu filho e isso também é Direito Humano.

“Seu legado à humanidade foi a simplicidade do seu caráter. Nenhuma detenção policial além daquela arbitrária e criminosa que narrei. Nenhuma atitude contra alguém. Sempre bom amigo. Sempre perturbado em sua subjetividade após ter sido torturado aos 12 anos de idade.”

Com essa taça amarga nas mãos pude ver ainda mais de perto o desterro das mães alagoanas periféricas, a quem ninguém dá ouvidos. A dor constante de quem perde desde sempre.

“O martírio de Alexystaine permeia estes escritos. A denúncia da omissão, da conivência que desenha a impunidade dos crimes cometidos em Alagoas, interligando política, castas e relações de compadres, aqui apresentadas como mal sociocultural pertinente ao poder, mas nefasto para a cidadania.”

Neste aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, ergo a bandeira do martirológio alagoano, na representação de Alexystaine Laurindo, para mim um símbolo desta luta.

” A vida é um bem precioso que precisa ser abertamente defendido. Sem medo. É a isso que convoco essa sociedade apavorada que é Alagoas hoje, a perder o medo de conhecer-se. Leia-se. Interprete as entrelinhas da história que perpetua o crime. Atue sobre si mesma, limpando as instituições, desde as Casas Legislativas e Executivas, endossando um clamor que alcance os distantes alpendres do Judiciário e cure a surdez da Sociedade Civil organizada.”

Sem esperança de luta não haverá poesia disponível nas entrelinhas da história, mas sem consciência humana de nada nos servirá construir aparatos bélicos.

“Sob a pena de figurarmos chorosos ou assassinados, reprisando o passado, numa versão século XXI do coronelismo que aduba o social com sangue humano.”

Defendamos os Direitos Humanos!

 

SOBRE O AUTOR

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