Arma que mataria juiz estava em paiol do Exército

Prolatadas as decisões, assinou a própria sentença de morte. Mexeu com usineiros, parentes do desembargador, familiares de poderosos. Juntos, os setores queriam matá-lo

Uma organização criminosa, em que é citado um desembargador e um empresário, foi montada para acabar com a vida do juiz da 4a Vara Cível da capital, Marcelo Tadeu. A morte dele estava encomendada para o dia 3 de julho de 2009- uma sexta-feira- na avenida João Davino, em Maceió.

Era um plano perfeito, com assinatura da impunidade. A arma, uma pistola ponto 40, de uso exclusivo da policia, foi retirada do 59o Batalhão de Infantaria Militar- a sede do Exército alagoano. Ela estava guardada junto a outras, em um paiol do Tribunal de Justiça. Constava em processo como prova de outros assassinatos. O preço do crime: R$ 20 mil. Após o crime, a arma voltaria ao Exército. E, ficaria como até hoje está: escondida. Nunca foi feito exame de balística.

Às 19 horas, o dia 3 de julho de 2009, o juiz Marcelo Tadeu estava com a família no estacionamento de uma farmácia, na avenida João Davino. Seguiria para casa, no bairro de Guaxuma. Próximo a ele, o funcionário da empresa Qualitec- que prestava serviço para o Grupo Empresarial OAS- o advogado Nudson Harley Mares de Freitas. Uma moto parou próximo a Nudson Tiros. Ele morreu no lugar de Marcelo Tadeu. Morreu porque foi confundido.

Quem diz isso são os detalhes da investigação, que correm em segredo de Justiça- a qual a reportagem teve acesso, em parte, e com exclusividade- integrando documento enviado no dia 24 de fevereiro de 2012 pelo Ministério Público Federal à Procuradoria Geral da República, em Brasília. Tão grave é o assunto que o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, quando esteve em Alagoas há duas semanas, conversou com Marcelo Tadeu e pediu para encontrá-lo, em Brasília, nas próximas semanas. Integrantes do Tribunal de Justiça de Alagoas contactam a ministra corregedora do Conselho Nacional de Justiça, Eliana Calmon, para que providências sejam tomadas.

A documentação foi remetida a Brasília porque nela consta, textualmente, o nome de um desembargador, o irmão dele, um empresário e o executor do crime: Wendell Guarnieri. Como o integrante do Tribunal de Justiça tem foro privilegiado só Brasília pode devassar o crime- que caminha para ser federalizado: a Polícia Federal deve assumir as rédeas do caso.

Há detalhes inéditos deste assassinato. A reportagem conseguiu localizar, em Minas Gerais, a família de Nudson Harley- que está proibida de ter acesso aos detalhes das investigações sobre o crime. Mais: as autoridades públicas de Alagoas não dão respostas convincentes sobre o assassinato. E Alagoas, o sonho de morada de Nudson, transformou-se em pesadelo aos mineiros, que receberam um conselho: “Deixar o crime para lá”. Eles não deixarão.

Perguntas

A primeira pergunta: por que um desembargador estaria interessado na morte de um juiz? Marcelo Tadeu Lemos Oliveira, o magistrado, tem um histórico diferente da maioria dos integrantes do Judiciário local: ajudou a colocar, atrás das grades, integrantes da Gangue Fardada; à frente da Vara de Execuções Penais, extinguiu o regime semi aberto porque ele era “de fachada” em Alagoas; fechou o presídio São Leonardo por ele apresentar riscos aos presos; denunciou um usineiro na morte do tributarista Sílvio Vianna.
E, na 4a Vara Cível de Maceió- que cuida também de processos de usineiros- lavrou decisões incômodas, como tomar bens dos milionários do setor do açúcar e álcool.

Mas, as atividades como juiz eleitoral no sertão trouxeram riscos maiores. Nomeado pelo desembargador Antônio Sapucaia (hoje aposentado), Tadeu cancelou doze mil títulos eleitorais e acusou um vice prefeito de ter diploma falso. Marcelo Tadeu cassou o mandato do prefeito-irmão do desembargador- e do vice. Eles recorreram ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE) e perderam. Reverteram a decisão no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Mas, por causa do tempo, o prefeito só ficou dois meses na Prefeitura.

Prolatadas as decisões, assinou a própria sentença de morte. Mexeu com usineiros, parentes do desembargador, familiares de poderosos. Juntos, os setores queriam matá-lo.

“Como supostos interessados na sua morte, estariam usineiros que teriam perdido bens por força de decisões suas, além do aparente e surreal interesse de um membro do poder judiciário de Alagoas”, diz um trecho do documento encaminhado, pelo MPF de Alagoas, à Procuradoria da República, em Brasília.

Procurado, Marcelo Tadeu não quis falar: “Sou tratado como maluco. Vou esperar que as instituições deem as respostas”, disse.

Uma resposta

.