Marcelo Henrique: Auditoria interessa?

Marcelo Henrique

No cotidiano de nosso país, transpassando os cenários municipal, estadual e federal, escândalos se repetem no uso da máquina pública por agentes políticos e, até, por servidores. Costuma-se dizer que uma determinada denúncia envolvendo um órgão ou poder público permanece na mídia por tempo intermediário até que uma outra, nova – e, por vezes, mais contundente – a substitui e provoca comentários, debates e insatisfações diversas, ainda que grande parte dos protestos e indignações do cidadão não tenha forças o suficiente para ultrapassar as paredes de nossas casas ou o ambiente de nosso trabalho.

Samuel Rosa (Skank) já teria cantado: “a nossa indignação é uma mosca sem asas, não ultrapassa as janelas de nossas casas… Indignação indigna. Indigna Nação!”.

O brasileiro acaba, portanto, se acostumando com a corrupção e a falta de ética, o jeitinho e a dilapidação do patrimônio público e custa a acreditar que as instâncias judiciárias e as imprescindíveis reformas legislativas possam, um dia, pôr fim nos desmandos e na “roubalheira” que grassam por aí.

As políticas sociais foram notadamente inclusivas nas últimas décadas que antecederam o atual governo federal, com o registro de ações positivas no combate à indigência social e à pobreza extrema, que as direcionavam, naqueles dias, à erradicação. O Brasil, em paralelo, nunca teve número tão destacado de mestres e doutores em inúmeras áreas e o amplo acesso ao ensino superior possibilitou a milhões de brasileiros uma qualificação para o trabalho e o exercício de uma profissão, ainda que se tivesse constatado que a proliferação das instituições, sem um efetivo acompanhamento e controle próximo, pelas instâncias cabíveis, resultou na falta de qualidade de algumas faculdades e no resultado prático de um sem-número de semi-analfabetos funcionais, porque o mero diploma não substitui a necessária formação e qualificação para o trabalho.

Entretanto…

A cidadania precisa avançar. Remontamos a dados da Crowe Horwatch RCS que apontaram, em meados da década passada, num cenário de 20 países da Europa e América, o Brasil como o que possuía o menor número de auditores por habitantes, correspondendo um auditor para cada 24.615 cidadãos. No Chile, por exemplo, havia um auditor para cada 8.711 e, em relação a países mais desenvolvidos, a Alemanha e os EUA tinham, respectivamente, 1 para 4.558 e 1 para 2.327. Há que se ter, então, uma clara “política pública para a auditoria”, investindo-se na aproximação entre as instâncias de controle para o acesso a bancos de dados e rotinas de fiscalização, a formação conjunta de profissionais cada vez mais especializados e a unificação de procedimentos de auditoria e controle entre os órgãos que realizam esse mister constitucional, entre outras medidas.

É desagradável estar diante de um preocupante e alarmante quadro que distancia, por exemplo, os legislativos (a quem compete o exercício da função fiscalizadora de toda a administração pública brasileira) e os Tribunais de Contas que não possuem, por exemplo, uma legislação única (lei orgânica) para o Controle Externo, capaz de padronizar e unificar rotinas, ações e processos. Tampouco os profissionais de auditoria possuem as mesmas prerrogativas, competências, deveres e direitos, apesar de desempenharem teoricamente as mesmas funções, com a alteração, apenas, do âmbito (municipal, estadual, distrital ou federal) do alcance da fiscalização e, é claro, o tamanho da jurisdição (porque o TCU alcança toda a administração federal, dos três poderes, enquanto o TCE/AC ou o TCE/RR cuidam das administrações municipais e estadual, nos poderes executivo e legislativo, destes Estados que são alguns dos menores em termos de arrecadação financeira.

Isto sem falar nas declarações de um intérprete da gestão federal atual, que deseja “flexibilizar” as contratações de servidores públicos e retirar-lhes direitos que não são pessoais, mas, do contrário, garantias de independência e autonomia para que profissionais qualificados na fiscalização em muitas áreas, públicas e privadas, realizem seus misteres SEM qualquer interferência de seus “superiores” ou de forças políticas que existem, nem sempre às claras, no cenário brasileiro.

A quem interessa a Auditoria? Será que interessa aos fiscalizados, isto é, aqueles que exercem cargos ou funções no serviço público? Pergunte a qualquer cidadão se ele gosta de ser fiscalizado: se gosta de ser parado em uma blitz no trânsito, se aprecia receber o fiscal de tributos ou o auditor da receita em sua empresa, se fica feliz em ser visitado pelo funcionário da prefeitura que vem atualizar a planta de valores para o iptu? Dificilmente… Aos governantes, que dizem “nada dever” e aos políticos que aparecem em programas eleitorais ou entrevistas alegando “nada ter a esconder”, muito improvavelmente. Ninguém gosta de ser fiscalizado ou auditado!

Mas, à Sociedade que custeia a máquina pública e paga os salários dos servidores e agentes políticos e que custeia as obras e serviços públicos, interessa um país BEM AUDITADO, próspero e promotor e garantidor da efetiva isonomia de direitos entre os cidadãos. Por isso, é preciso SEMPRE investir em Auditoria. E, a principal delas, a AUDITORIA PÚBLICA é a que controla os poderes públicos, por meio de servidores públicos nos Tribunais de Contas, que deve ser especializada, independente e atuante! Cada vez mais!

Quem sabe, assim, à frente, as notícias sobre desmandos e irregularidades, num cenário de corrupção, neste país, possam ser escassas e o Brasil, enfim, se encaminhe para a condição de um país próspero, eficiente e ético!

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