Marcelo Henrique: Arma? Sim, a Informação!

Marcelo Henrique

Vivemos tempos que são, em essência, contraditórios. Recordo-me dos meus primeiros dias no jornalismo. Ainda não havia computadores pessoais e as máquinas de escrever – elétricas ou manuais ditavam o ritmo da frenética busca pela notícia e o desejo de informar o público. Penso que éramos um pouco poetas, ao dedilhar os dedos sobre as teclas, procurando contar os fatos com leveza e alguma graça.

Hoje, com as facilidades do ciberespaço e a tecnologia dando as cartas de mão cheia, o jornalismo artesanal, investigativo, ético e com o compromisso mais próximo com a verdade – ainda que possíveis vários pontos de vista – parece reservado a alguns poucos, enquanto a verba publicitária, seja a oficial, pública, seja a empresarial, seja capaz de ditar pautas ou alterar a forma (e o relevo) da notícia.

A grande maioria dos nossos convivas parece viver envolto em bolhas. Uma delas é a informacional, que não permite – seja pela falta de vontade na “busca”, seja pela cooptação de várias das mídias que dominam o “mercado” – um conhecimento desafiador e protagonista de verdadeiras transformações sociais.

As mídias sociais, por outro lado, aproximaram as pessoas a partir de, teoricamente, interesses comuns e a afinidade temática. Mas o que poderia ser representativo de um cenário de diálogo e construção acaba, por vezes, se constituindo como um ringue onde a disseminação do ódio e da desinformação – ambos travestidos de liberdade de expressão – consolida o conforto de quem agride por agredir, ou pelo prazer de esmurrar o outro, seja pelo que ele pensou de forma escrita, ou por não concordar com os argumentos que ferem a sua “fé” pessoal.

Vemos isto em grupos sociais esparsos nas plataformas de aplicativos e redes, mas, também, por vezes, em nossos próprios perfis ou timelines. Pessoas que nunca havíamos visto ou conversado e nem fazem partes dos núcleos de amigos ou seguidores, aparecem “do nada” com sua violência e intimidação. E se o grupo não for de “amenidades”, e aglutinar partidários de determinadas ideologias sócio-políticas, ou serem de matiz religioso, ou, ainda, se forem sobre futebol, arte, música, literatura, entre outros, é bastante comum ver-se o engalfinhamento de duas ou mais pessoas, virtualmente, sob o argumento da “ofensa” ao seu pensamento…

Recentemente, presenciei em dois grupos, bem distintos e distantes das ideologias em confronto na vida real (e virtual), um sobre vinhos e outro sobre automóveis antigos, partidários de líderes políticos do momento se “estapeando”, cada qual defendendo o seu “ídolo”. Nenhuma correlação do mote de conversação com a filosofia e a proposta de ambos, diga-se de passagem. E não me restou outra saída senão abandonar ambos, já que a moderação era silente (ou conivente).

Inexiste liberdade sem a correspondente responsabilidade. Em qualquer ambiente, com quaisquer personas e independente da temática, todos devemos ser responsáveis por nossas manifestações e, principalmente, que haja diálogo e não verborragia. Até mesmo em grupos privados, de acesso moderado, formados por pessoas que possuem determinados requisitos e considerada a premissa da aceitação das regras de convivência – lembremos que todo e qualquer agrupamento humano as possui, seja expressa ou tacitamente – percebemos relativo número de pessoas que evoca o livre pensar e a liberdade de expressão (no caso, escrito), para dizer “o que quer”, não importando se a sua manifestação seja ferina, ilógica, intempestiva e acusatória.

Hostilizar o outro, depreciá-lo, menosprezá-lo, escarnecer de suas ideias e preferências, parece ser o “esporte” preferido de um sem número de trogloditas de celular. Isto tudo protegido pela couraça do equipamento, a garantia de distanciamento da rede social e, às vezes, sob a escora de um perfil fake ou sem identidade pessoal.

Não somos, portanto, alvos. Seja do mau humor, da grosseria, do desequilíbrio íntimo, que se expressa na escrita – que dirá, então, se fosse num ambiente presencial!? O que veríamos? – e que trespassa a ambiência virtual e pode se instalar no psiquismo, na integridade emocional de cada um. Vulcões de emoções como são os seres humanos, há os que não conseguem manter-se serenos diante de tanta agressividade, o que resulta, não raro, em duelos, até que um dos dois desista, ou seja admoestado por alguém que tenha “poderes” virtuais para debelar a contenda.

Não quero chegar ao patamar de considerar a circunstância dos robôs eletrônicos, porque estes estão mais interessados na disseminação de textos pró ou contra os protagonistas da política tupiniquim, do que serem utilizados para colóquios pessoais, em “assuntos menores”.

Voltando à(s) bolha(s), há um sem número de pessoas que prefere, mesmo, ficar alheia a tudo o que seja derivado do jornalismo crítico e sério. Evitam a informação da mídia independente – ainda que esta independência seja, por vezes, mais outro mito, tendo em vista as questões econômicas, muitas indiretas, que sempre são relevantes, até pela sobrevivência do veículo (e do jornalista). Preferem os “veículos oficiais”, até mesmo pelas redes, como perfis vinculados a partidos políticos ou a blogs influenciadores, o que desemboca numa visão bem distorcida da realidade.

Eis que este quadrante nos propicia uma revisão de valores e uma perspectiva de valorização do jornalismo. Pesquisas de opinião, sem filtros ou direcionamentos, têm apontado para a direção de que se valoriza a busca pela verdade dos fatos, buscando-se uma espécie de “selo de garantia” de que a informação que está no noticiário foi checada e se o contraditório jornalístico (ouvir a outra parte) foi respeitado.

Mas há os que preferem o “zap da família”, a mensagem do amigo, a conversa do colega de trabalho, o papo na fila do ônibus ou mercado, ou a coluna daquele formador de opinião, blogueiro, influencer, youtuber ou colunista social.

Por fim, que se reitere, sempre, o contido na Declaração de Chapultepec (1994): “Não há pessoas nem sociedades livres sem liberdade de expressão e imprensa”. Mas esta liberdade, que é substrato de uma civilização democrática e próspera, não pode restar comprometida pela ameaça a qualquer direito. E que a informação seja a arma dos livres!

Uma resposta

  1. Consoante a escala espiritual na qual se movimenta a sociedade planetária, e particularmente a brasileira, são raros os que atingiram minimamente as noções de respeito à liberdade de pensamento e de expressão. Ampla maioria ainda se agita na areia movediça da intolerância, havendo quem, extravazando do coração o seu mau tesouro, pugnam-se na incitação ao ódio contra quem não lhes compartilhem a opinião. É o que estamos vendo atualmente no Brasil, o brasileiro arrancou a máscara da ilusória cordialidade do Dr Jekyill e mostrou a face oculta, autêntica, do Mr Hyde.

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