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Kardec acreditava que o Espiritismo auxiliaria luta por Reformas Sociais, por Vinícius Costa

Carta original do Codificador do Espiritismo, divulgada em 01 de setembro de 2020 pela UFJF, revela crítica ao liberalismo material e conexão do Espiritismo com às lutas progressistas do século XIX.

Cartas de Kardec revelam perspectiva de apoio às Reformas Sociais se sustentadas pela revolução moral proposta pelo Espiritismo para além do materialismo.

“Quem quer que a estude no seu princípio e nas suas consequências, nela verá toda uma revolução moral; em vez de tomar o edifício apenas pelo topo, ela o toma pela base e lhe dá sólidos alicerces no coração dos homens, inspirando-lhes a fraternidade efetiva e destruindo-lhes o egoísmo, verme roedor de todas as instituições liberais que repousam apenas na materialidade”(1).

As cartas de Allan Kardec, Codificador do Espiritismo, começaram a ser divulgadas na íntegra em 01 de Setembro de 2020, a partir de um convênio entre a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e a Fundação Espírita André Luiz (FEAL) – que armazena as cartas encontradas, no século XX, pelo pesquisador espírita Canuto Abreu

As cartas, agora disponíveis na íntegra para o público em geral depois de uma longa batalha para preservação delas, que inclui desde o roubo de documentos por parte dos nazistas durante a ocupação na França até a tentativa de não divulgação das mesmas por parte da Federação Espírita Brasileira (FEB) – por acreditar que os espíritas não estariam prontos para o conteúdos das revelações (2), são um bálsamo para a História da Filosofia e para os estudos da Ciência da Religião, além de ajuda a (re)contar a História do Espiritismo, bem como adentrar na mentalidade do Codificador lionês e suas visões de mundo.

Dentre as cinquenta primeiras cartas divulgadas, destaca-se o “Rascunho de carta para o senhor Louis Jourdan – 02/11/1863”. Nela, o Codificador Espírita dirige -se ao companheiro de missiva:

“Se suas ocupações lhe permitirem dar uma olhada nela, reconhecerá, sem dificuldade, penso, que esta doutrina conduz inevitavelmente, e por uma via segura, a todas as reformas sociais perseguidas pelos homens de progresso e que ela acarretará forçosamente a ruína dos abusos contra os quais o senhor se insurge com tão notável talento. Sua rápida propagação e o pavor que ela causa no partido clerical são uma prova de que nela se vê algo além de uma efêmera utopia”.(3)

Para se compreender inteiramente o teor dessa carta é preciso conhecer o interlocutor de Kardec, o Monseur Louis Jordan. O Jornalista e Editor francês foi um dos maiores seguidores de Saint Simon na França, além de ter atuado diretamente na luta francesa do século XIX pelo direitos femininos. Não existe, ainda, tradução para português dos livros de Louis Jourdan ou biografia traduzida em nossa língua, mas em língua francesa o trabalho de Jourdan é mais conhecido. Todavia, o público espírita não desconhece a figura de Monseur Jourdan ao todo, já que Kardec cita Louis Jourdan em sua Revista Espírita na edição de Abril de 1861 como alguém por quem ele tinha respeito e com quem se comunicava frequentemente por estar avaliando o Espiritismo insurgente na França. (4).

Aprofundando na figura desse jornalista, percebe-se que Louis Jourdan teve uma vida dedicada às causas sociais. Díscipulo das teorias de justiça social de Saint Simon, o jornalista nasceu em Toulon em 7 de janeiro de 1810 e foi editor pela primeira vez de um jornal nesta cidade, chamado o “Eleitor Popular”, dirigido à politização das classes trabalhadoras. Em 1848, fundou o jornal “Espectador Republicano” também dedicado às causas progressistas. Depois de ir para um exílio na Tunísia, ele voltou à Paris em 1852. Em 1856, Louis Jourdan foi o primeiro editor-chefe do Jornal de cunho econômico “Diário dos Acionistas”. Em 1863, ano em que trocou as cartas, reveladas, com Kardec, escreveu sua obra mais importante: “Mulheres em frente ao andaime”. Devido ao viés emancipador de sua obra, em 1870 ,foi membro do Comitê Executivo Central da Associação para os Direitos da Mulher, algo extremamente inovador para época.

Minimamente apresentado, bem como sua luta em prol das reformas sociais, voltemos à carta de Kardec e como ele interage com o Senhor Jourdan:

“Se suas ocupações lhe permitirem dar uma olhada nela, reconhecerá, sem dificuldade, penso, que esta doutrina conduz inevitavelmente, e por uma via segura, a todas as reformas sociais perseguidas pelos homens de progresso e que ela acarretará forçosamente a ruína dos abusos contra os quais o senhor se insurge com tão notável talento.”(6)

O texto é claro e fala por si só. Na visão de Kardec o Espiritismo colaboraria para as reformas sociais defendidas pelo Monseur Jourdan e auxiliaria no fim dos abusos do liberalismo materialista e do machismo – objetos de estudo crítico do jornalista, contra qual ele lutava com “notável talento”.

A carta de Kardec para Louis Jourdan deixa claro e evidente o viés progressista para sustentação das “reformas sociais” que o Codificador do Espiritismo enxergava na Doutrina Espírita no século XIX. Transformar o Espiritismo em instrumento de manutenção dos interesses egóicos conservadores do poder estabelecido vai contra a visão de Kardec ao codificar sua própria doutrina e acaba por alinhar-se ao clericalismo combatido por Kardec como destacado nos trechos supracitados.

Kardec ainda alerta ao Monseur Jordan que o “homem de progresso” que não percebe o aspecto revolucionário moral do espiritismo, em sua essência do “fora da caridade não há salvação”, ainda não percebe que a justiça social sonhada necessita de uma revolução moral que estimule à autonomia dos seres. Dessa maneira, se as lutas progressistas caminharem para o escárnio do Espiritismo, essas seriam mais “cegas que o clero (8)” e perderia -se, inclusive, as oportunidades de progresso social.

Esse é o “bom combate” que Kardec deixa evidente ao Monseur Jordan ao convidá-lo à se juntar ao Espiritismo e que se estende a todos nós que lemos esta carta no século XXI (o texto completo pode ser lido, na íntegra, aqui)

As reformas sociais necessárias à evolução das sociedades se consolidarão a partir de doutrinas moralmente estimuladoras da autonomia dos sujeitos como o Espiritismo de Kardec. Essa é a defesa, por excelência, do Codificador ao pensar o Espiritismo. E esta deve ser a defesa daquele que professa a Doutrina dos Espíritos.

 

Texto publicado originalmente na página: https://www.vinnycosta.org/post/ah-religi%C3%A3o-3-kardec-acreditava-que-o-espiritismo-auxiliaria-luta-progressista?fbclid=IwAR1RC7BrJ0FOWKKhfGbwYGdc0p3Z8f0ng9mSGjE18eaoNd6wiR2XfWPWvcs

 

Bibliografia:

(1) KARDEC, Allan. [Rascunho de carta para o senhor Louis Jourdan – 02/11/1863]. Disponível em: http://projetokardec.ufjf.br/items/show/45. Acesso em: 2 Set 2020. Projeto Allan Kardec.

(2) FIGUEIREDO, Paulo Henrique. Autonomia: A História Jamais Contada do Espíritismo. Feal. São Paulo. 2019.

(3) KARDEC, Allan. [Rascunho de carta para o senhor Louis Jourdan – 02/11/1863]. Disponível em: http://projetokardec.ufjf.br/items/show/45. Acesso em: 2 Set 2020. Projeto Allan Kardec.

(4) Revista Espírita – Jornal de estudos psicológicos – 1861 > Abril > O Sr. Louis Jourdan e o Livro dos Espíritos. Disponível em: https://www.febnet.org.br/ba/file/Downlivros/revistaespirita/Revista1861.pdf

(5) Em linhas gerais pode ser saber quem foi Louis Jordam aqui em francês: https://fr.m.wikipedia.org/wiki/Louis_Jourdan_(%C3%A9diteur)

(6)KARDEC, Allan. [Rascunho de carta para o senhor Louis Jourdan – 02/11/1863]. Disponível em: http://projetokardec.ufjf.br/items/show/45. Acesso em: 2 Set 2020. Projeto Allan Kardec.

(7) KARDEC, Allan. [Rascunho de carta para o senhor Louis Jourdan – 02/11/1863]. Disponível em: http://projetokardec.ufjf.br/items/show/45. Acesso em: 2 Set 2020. Projeto Allan Kardec.

3 respostas

  1. Estou inteiramente de acordo com a influência do Espiritismo na reforma íntima do homem. E assim influenciando, também, na reforma social. Quando a humanidade seguir as Leis de Causa e Efeitos, aceitar a reencarnação, a vida Do espírito depois da morte … a humanidade será mais solidária, amorosa. Sem ganância … o mundo sofrerá uma grande transformação. São os tempos chegados.

  2. É oq todos nós desejamos, uma Humanidade mais Solidária e com mais Amor e Respeito entre as Pessoas.

  3. Parece algo imperceptível, mas toda declaração inclusive religiosa tem motivação e consequências Econômicas e Políticas.

    No capítulo VII lemos em Paulo Estevão que o abandono do culto a Diana como consequência da palavra de Paulo pregando o evangelho, talvez apenas por colocar em primeiro lugar amor a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo, trouxe milhares de desempregados entre artífices, ourives, comerciantes etc..e capitalistas se movimentaram criando uma bolha de fakenews sobre um suposto ato terrorista revolucionário de Paulo e a multidão de ignorantes manipulada não encontrando Paulo atacou e destruiu sua oficina.Imagine que consigamos comprovações extraordinárias da Sobrevivência Comunicabilidade e reencarnação dos espíritos. A Industria bélica, uma das maiores do mundo se não a maior, pararia ou reduziria seu ritmo no mesmo dia colocando milhões de desempregados na rua um crise mundial se estabeleceria de proporções inimagináveis todas ações desabariam imediatamente consequências político econômica seriam desastrosas e a perseguição aos cientistas que fizerem estas demonstrações começariam. O colapso econômico seria inevitável . Existe até um filme de ficção científica não muito bom com esta temática.https://youtu.be/a_U-P7iPC-k
    Analogamente que que alguns dias de palestra de Paulo abalou uma das maiores economias do mundo antigo que sobrevivia a séculos imagine o potencial de mudança que a Doutrina Espirita tem nos dias de hoje.

    Tudo está interligado a Política a Economia e Religião, tudo tem motivações e consequências não existe este negócio de Espiritismo apolítico, isto é uma contradição.

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