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Identitarismo: o liberalismo que corrói a esquerda

Precisamos perder temores para seguir adiante, e disso todos sabemos, pois de um modo ou de outro a mestra vida nos mostrou e ainda mostra, o quanto de coragem é preciso para navegar na história do mundo, com seus hominídeos exercitando sapiência, atraídos pelo que reluz, mesmo que nem sempre seja ouro.

Navegando na web a travessia é perigosa.

Foi nesse mundo conceituado como ciberespaço que encontrei o blog www.orelhasdevidro.com e li artigos importantes, guardados na simplicidade do ambiente, mas que precisam ser descobertos pelos navegantes de boa vontade, pelo conteúdo de valor que porta, esperando um click para ser consumido.

Minha fome de leituras encontrou alto teor de saciedade, e trouxe alguns trechos para um diálogo analítico, com aroma e sabor de Brasil na prataria teórica do mundo imperialista maquiado de novidade.

Intitulado “A Encruzilhada da Esquerda”, o artigo do qual fiz o recorte diz:

“Não restará alternativa que não passe por uma decisão fundamental: ou mantemos nossas mãos atadas pelo identitarismo, fazendo o jogo das elites, dividindo a classe trabalhadora e debatendo costumes em posição prioritária ou partimos para a unificação das pautas da classe operária”.

O identitarismo é filho parido pelas perspectivas políticas liberais, e ganhou tanto espaço dentro da esquerda que não ata somente nossas mãos, como silencia nossas bocas, nossos escritos e cancela nossos nomes e rostos, quando não coadunamos com suas ambições de suplantar a luta de classes e substituir o combate ao (inconciliável) capitalismo, na ânsia de empoderamento e ascensão social de grupos que entabulam narrativas de reparação histórica, mas desejam aninhar-se nas estruturas capitalistas, mantendo-as incólumes.

Em outra parte do artigo, está dito:

“Não acredito na possibilidade da esquerda se manter relevante no século XXI sem que as pautas identitárias sejam expurgadas da linha de frente de suas demandas. Ou somos a resistência ao capitalismo decadente através da luta de classes ou é melhor desistir do sonho por uma sociedade mais fraterna e mais justa, onde as pessoas não sejam mais divididas por castas. Se não for pela radicalidade da luta anticapitalista então teremos que aceitar que um negro, gay, indígena, mulher ou trans apresentando o Fantástico – ou sentando numa cadeira do STF – já estará de bom tamanho”.

Se a frase causa desconforto, parece antiquada, ou simplesmente já lhe desperta ódio, saiba que o problema não está nela, mas na adesão que você fez aos discursos que te convenceram que ser de esquerda é repetir chavões e terceirizar a análise para iluminados representantes das minorias.

A causa da esquerda é de todos nós, e a partir do momento em que foi repartida por ideias desagregradoras de pertença e não pertença, mesmo estando todos no mesmo barco das opressões burguesas, sendo precarizados, utilizados como massa de manobra neste vasto mundo das ilusões midiáticas que empoderam usuários de aparelhos celulares tornando-os todos juízes severos e tendenciosos, ser de esquerda se tornou uma alegoria semântica, cheia de dardos e venenos, a entreter aqueles que poderiam estar organizados como classe trabalhadora.

Quem está vibrando com este momento de festividade guetificada dentro da esquerda?

Aqueles que não serão minimamente arranhados em suas estruturas pesadas de exploração pautada pela exclusão, negação de acessos e retirada de direitos dos trabalhadores do campo, da cidade, e até do mundo sem paredes neste universo online que não dorme. Os capitalistas sorriem quando os problemas das desigualdades sociais são associados à palavras, termos, expressões; e aproveitam o hiato da consciência política para fortalecer o mercado, diminuir os espaços tensionados pelas negociações trabalhistas, amansando todos os guetos com algumas migalhas de visibilidade violenta, gerando disputa de narrativas dentro da esquerda, que dilui teorias de base e acata a lacração.

Impor que o identitarismo seja parâmetro para ações governamentais tem sido a tônica do outro lado das comoções sociais.

O artigo “Marionetes?”, relata:

“Somos contra a pressão identitária para impor uma representante dos interesses de específicas identidades e de poderes alienígenas, num órgão jurídico – que deveria apenas defender a constituição, não as cores de pele ou orientações sexuais. Mais ainda, somos contra a visão ingênua que se espalha entre os liberais de que tal indicação poderia representar algum avanço civilizatório dentro de um órgão corrupto e burguês como o STF”.

Sente impacto? Se a resposta for positiva é graças aos desvirtuamento das análises reproduzidas na contemporaneidade, com sanha de seguidores, clicks e engajamento.

A esquerda não terá futuro, principalmente no Brasil, se não tiver coragem de abrir debate maduro com o identitarismo, sem medo de cancelamento, porque somos todos contra o ódio e a favor do amor.

Não é mesmo?

SOBRE O AUTOR

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