Gastos ilegais da Assembleia somam R$ 300 mil

Deputados burlam licitação e gastam dinheiro público de forma fracionada, duas práticas ilegais- diz MP

Assim como no mundo do crime- com regras e hierarquias- a Assembleia Legislativa também tem leis próprias na hora de gastar e não prestar contas do uso do dinheiro público: corre das licitações como o diabo foge da cruz; vai gastar, este ano, quase um milhão de reais com uma biblioteca sem livros e trancada na chave. E uma Escola Legislativa sem uma única aula há cinco anos.

Somente nos três primeiros meses deste ano, a Casa de Tavares Bastos gastou, exatos, R$ 65.961,12- sem licitação e com compras feitas sem nenhum controle. Algumas delas estranhas.

Por exemplo: a julgar pela quantidade de pagamentos feitos a duas empresas, os dois elevadores do casarão da praça Dom Pedro II quebraram 11 vezes- só este ano.

É um recorde. Ano passado, os aparelhos quebraram seis vezes.

Mesmo sem ter um único papel nos gabinetes ou na administração da Mesa Diretora, a Assembleia gastou exatos R$ 23.806,17. Pior: sem licitação e despesas fracionadas, divididas este ano em três vezes.

E se os elevadores quebram muito, os computadores parecem ser equipamentos sem jeito de conserto. Quebraram três vezes, em 2012- 15 vezes, ano passado.

Os números são do Portal Transparência Ruth Cardoso- mantido pela própria Assembleia.

Coincidência?
Poderia ser uma coincidência. Mas, levantando os dados do ano passado, a Assembleia contratou- sem licitação- a mesma empresa deste ano- a MR Barbosa Nogueira Papelaria- para comprar quase R$ 90 mil (R$ 86.985,25) em artigos de escritório- especialmente papel.

“No meu gabinete, quem compra papel sou eu”, disse o deputado Ronaldo Medeiros (PT). “O problema da Assembleia é que ela não planeja nada. Eu pedi para gerenciar a Escola Legislativa, para tirá-la do papel e fazê-la funcionar”, disse.
Todas as despesas foram fracionadas- uma estratégia tratada com desconfiança pela Controladoria Geral da União (CGU), por levar a casos de corrupção.

Em 2011, foram 11 compras fracionadas, em artigos de escritório. No mês de janeiro, em férias, a Mesa Diretora parece ter trabalhado bastante: fez duas compras no dia 12 de janeiro. A primeira de R$ 7.992,05; a segunda, R$ 7.814,70.

Como a compra foi menor que R$ 8 mil, a Assembleia não precisou abrir licitação- seguindo a lei. Mas, no mesmo dia, como o valor estouraria o limite fiscal- obrigando a concorrência pública- por isso, a Assembleia driblou a legislação: dividiu a mesma compra, em duas vezes.

Em 18 de março, novo gasto- e driblando os R$ 8 mil, da Lei de Licitações: R$ 7.929,86. Em 13 de abril, R$ 7.927,46.
A esperteza foi levada, da mesma forma, até o final do ano.

E 2012? Ano novo, prática velha na Casa de Tavares Bastos. Mês de férias, e os deputados acionaram a MR Barbosa Papelaria em 17 de janeiro e compraram R$ 7.908,86 em material de escritório. O estoque acabou rápido. Em 3 de fevereiro, nova compra de papel- sempre menor que o limite dos R$ 8 mil, para evitar abertura de licitação: R$ 7.986,45.

Um mês e dois dias após a compra- 5 de março- a última compra- R$ 7.910,86.

Sem correrem o risco de punição pelo Tribunal de Contas do Estado- formado por ex-deputados- a Assembleia gastou, em 2011, R$ 251.995,7. Em 2012, R$ 65.961,12. Somando apenas estes dois anos, são R$ 317.956,82. Tudo sem licitação e com compras fracionadas, um procedimento considerado ilegal- segundo o Ministério Público Estadual.

“No MP, tudo é licitado. Há dois elevadores e uma empresa licitada para realizar os consertos; os computadores têm empresa para consertos porque se sabe que o computador quebra. Há licitação até para o coffee break”, disse um promotor, que pediu para não ser identificado. “A Assembleia Legislativa comete um crime” resumiu.

“A Assembleia tem um orçamento. Deveria ter empresas licitadas para elevadores, compra de material de limpeza. Não há justificativa para a dispensa de licitação. As contas da Assembleia não são apreciadas por este plenário. Desde que estou aqui, há seis anos”, afirma o deputado Judson Cabral (PT).

Sobe e desce
As empresas Elevadores Otis e Thssenkrupp S.A Elevadores são contratadas, sem licitação, para consertar os dois elevadores da Assembleia Legislativa.

Este ano, foram acionadas 11 vezes. Quatro vezes, em um único dia: 17 de janeiro- período de férias no Legislativo Estadual; mais três vezes, no dia 3 de fevereiro; e outras quatro vezes, apenas em 5 de março.

O valor de cada conserto variava de R$ 587,58 a R$ 3.059,85.

No ano passado, as quebras dos elevadores também eram constantes. Em 5 de setembro, a Elevadores Otis foi chamada. Valor da conta: R$ 540. Uma ninharia. Isso se não fosse o que aconteceria no mês de novembro: no dia nove parece ter havido uma pane na Casa de Tavares Bastos. A  Thssenkrupp S.A Elevadores foi acionada para dois consertos, cada um de R$ 650.

Em dezembro, nova pane nos elevadores. Só no dia 6, eles quebraram duas vezes e no dia 22- dois dias antes das festas de Natal, com o prédio vazio- novo problema.

Cada conserto, um valor diferente.

Para equipamentos de informática, a Assembleia aciona a Tecserv. E as necessidades dos computadores são exigentes: R$ 39.850 gastos, de maneira fracionada- e sem licitação- ano passado. R$ 10.800 em 2012, novamente em compras fracionadas.

Ano passado, a Tecserv foi chamada 13 vezes- em quase todas (menos duas vezes), a Assembleia diz ter pago R$ 3.600 pelos serviços.

No dia 19 de julho- mês de férias- consta pagamento de R$ 70; e em 1 de novembro, R$ 180.

Isso é apenas uma empresa, na área de informática. A outra é a JF Eletrônica LTDA, chamada quatro vezes para os consertos. E sem necessidade de licitação. Isso significa que, em 2011, os computadores da Assembleia quebraram 15 vezes.

O que chama a atenção? Nos trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da TIM, o deputado Joãozinho Pereira (PSDB) doou os computadores para a Assembleia- porque as máquinas do Legislativo não tinham condição de, sequer- abrigar os arquivos da comissão.

Não é só. Cada integrante da CEI teve de gastar R$ 200,00, do próprio bolso, para a impressão do relatório final.

Afora tudo isso, há o escandaloso contrato com a empresa ELógica- denunciada pelo Governo em 2007, como geradora de funcionários fantasmas na folha de pagamento. A Elógica é contratada sem licitação para a mesma Casa Legislativa também denunciada, à Polícia Federal, por ter laranjas e funcionários fantasmas assombrando a folha de pagamento.

A Elógica foi chamada oito vezes ano passado. Em cada uma delas, a Assembleia pagou entre R$ 3.786,97 e R$ 11.343,61 (esta bolada foi no dia 4 de julho). Em um único dia- 4 de março- a Assembleia pagou R$ 3.882,12 e mais R$ 3.830,22.  Um desperdício de R$ 7.712,34- em um único dia.

Em 2012, a Casa de Tavares Bastos já gastou com a Elógica R$ 15.390,08. E, como não poderia deixar de ser, sem licitação. De 17 de janeiro a 5 de março, a empresa- com sede em Pernambuco- foi acionada quatro vezes.

Incluem-se ainda na farra sem licitação gastos com viagens (ano passado, R$ 7.872,55); um buffet (R$ 8.371), uma empresa de bolsas e sapatos (R$ 1.800). Tudo isso em 2011. E sem licitação. E por despesas fracionadas.

“Isso é um recurso administrativo usado pelo setor de Recursos Humanos da Casa. Isso é uma deliberação, um encaminhamento, da presidência. É uma prática de administração que apenas demos uma sequência e naturalmente isso é vinculado a algumas secretarias, em alguns momentos à primeira secretaria e a segunda secretaria”, disse o presidente da Assembleia, deputado Fernando Toledo (PSDB).

Por recomendação de Toledo,  a reportagem tentou ouvir o diretor da Assembleia, Luciano Amaral, que não foi localizado.

Uma biblioteca e a escola fantasma
No estado mais pobre e com maior número de analfabetos do Brasil, a Assembleia gasta cerca de R$1 milhão ao ano para manter uma biblioteca e uma escola legislativa que só existem no papel.

A Assembleia Legislativa custa, por mês, mais de R$ 10 milhões. Parte desse dinheiro ajuda a manter uma biblioteca e uma escola legislativa que deveria capacitar os mais de mil funcionários da Casa. Só que quem trabalha na Assembleia há quase 30 anos nunca viu um único livro ou assistiu a qualquer curso.

Metade dos 27 deputados da legislatura passada foi indiciada por formação de quadrilha, peculato, lavagem de dinheiro e crime contra o sistema financeiro. Em 2007, a Polícia Federal descobriu que eles lideravam um grupo que desviou R$ 300 milhões da folha de pagamento do Legislativo. O dinheiro, diz a PF, foi lavado em fazendas, mansões, carros e na compra de votos.

.