Em Alagoas, peritos sem luvas, laudos com data errada e IML ‘dando choque’

Um simples comerciante transformado em um perigoso estelionatário; um rapaz atropelado por um carro, mas com data do enterro errada, vira um problema burocrático para a família

Odilon Rios
reporternordeste.com.br

Um simples comerciante transformado em um perigoso estelionatário; um rapaz atropelado por um carro, mas com data do enterro errada, vira um problema burocrático para a família.

São erros que estão ligados a crise na perícia oficial de Alagoas e a falta de condições de funcionamento do Instituto Médico Legal (IML)- interditado até pela Vigilância Sanitária e sem raio X para detectar casos de tortura ou quantidade de balas disparadas contra a vítima.

De um lado, profissionais que têm até mestrado e doutorado; do outro, faltam até luvas para a simples análise de um projetil de arma de fogo, na cena do crime, ou até mesmo a negligência na hora da apuração.

O comerciante Mário Augusto da Silva Guimarães Neto despediu-se dos filhos, um deles de 13 anos, antes de começar o trabalho, na madrugada de 1 de agosto. Era vendedor, divorciado do primeiro casamento, admirado pela ex-mulher e casado pela segunda vez. Um homem sem inimigos.

Na porta de casa foi morto com seis tiros.

– Tinha tanta confiança das pessoas e uma vida de tanto trabalho que as pessoas emprestavam os cartões de crédito delas para que ele comprasse as mercadorias, pagando no fim do mês ou em prestações. Nunca falhou, disse um familiar, pedindo para não se identificar. Ele teme represálias.

Os peritos chegaram ao local. Sem luvas, pegavam as balas com as mãos. A esposa estranhou. “Moço, até eu que sou ignorante nesse assunto sei que vocês devem pegar isso com luvas”, disse ela. O perito se apressou e pôs as luvas.
Horas depois do assassinato, a conclusão da polícia: Mário Augusto pertencia a uma quadrilha de estelionatários, por causa dos cartões de créditos das outras pessoas.

– Foi tudo apressado demais. Os peritos fizeram o trabalho de qualquer jeito, a polícia juntou deduções sem sentido. E, como está morto, nem pode se defender, disse o parente.

Ninguém foi preso pelo crime. A quadrilha nunca foi encontrada.

– Nossa situação é muito difícil. O material de trabalho é comprado do nosso bolso. Há vezes em que são tantos assassinatos que não podemos dar conta e o delegado nos diz que ‘dá um jeito’, disse o presidente da Associação Alagoana dos Peritos em Criminalística, Paulo Rogério.

– Alagoas é o Estado que mais mata no Brasil. Nos plantões, temos três peritos. No início do ano, teve um final de semana que teve muitos mortos. Não tinha como fazermos a perícia em todos. Há casos em que nunca vai se saber quem matou uma pessoa, a não ser que o assassino se entregue. É acreditar no impossível, disse o presidente.

Alagoas tem 44 peritos e quem começa a carreira recebe, em média, R$ 3 mil. O ideal seriam 50. O problema é que a distribuição é desigual. Há três peritos e apenas um odontolegista- por plantão.

E por falta de profissionais para analisar objetos achados no local do crime, o Instituto Médico Legal (IML) Estácio de Lima, em Maceió, chegou a jogar fora roupas e lençois que enrolavam o corpo da universitária Giovanna Tenório, assassinada em junho. Não havia lugar para guardar o material.

Na porta do IML, o familiar de um rapaz atropelado por uma moto tentava corrigir um erro na data do enterro do jovem: indicava que ele tinha sido morto em dezembro de 2008.

– Para dar entrada na documentação, precisa ter a data correta. O perito não veio, tenho de voltar no dia em que ele estiver. Um perito não mexe no trabalho de outro, disse o familiar, pedindo para não ser identificado. Ou fotografado.

Ninguém preso pelo crime.

Se a perícia oficial não funciona, Alagoas tem um dos mais modernos laboratórios de DNA forense do Brasil- o da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Ele poderia ajudar a identifcar corpos de pessoas desaparecidas por exames de sangue dos parentes. Mas, a falta a assinatura de um simples convênio impede isso.

Enquanto isso, no IML de Maceió, o prédio-sede enfrenta a pior fase de sua história. Em 1938, as pedras do instituto receberam o corpo do cangaceiro Lampião, morto após um cerco policial. Sem equipamento para avaliar, com as técnicas da época, a personalidade do homem mais temido do Nordeste nos anos 30, a cabeça foi arrancada e enviada a Recife.

Em junho de 1996, os peritos foram chamados para analisar os corpos do ex-tesoureiro da campanha do ex-presidente Fernando Collor, Paulo César Farias, e sua namorada, Suzana Marcolino. O local sugeria que os lençois foram lavados, após o crime. E, no IML, não havia serras para fazer a autópsia do corpo.

No início deste ano, o Ministério Público Estadual pediu a interdição do IML- os restos mortais eram jogados na rua, as paredes dão choque por causa das instalações elétricas velhas e a Vigilância Sanitária quis fechar o prédio, por ele ser uma ameaça aos moradores do bairro do Prado- onde funciona desde os anos 20. Um projeto prevê a construção de um novo instituto- que vai custar R$ 4 milhões. Mas, não há data para sair do papel.

– Gosto de assistir CSI Miami, aqueles programas de investigação norte americanos, com os peritos fazendo aquele trabalho para descobrir um assassino. Não entro em depressão porque, apesar de gostar do programa, só assisto de vez em quando. Nem sei quando teremos isso em Alagoas, disse o presidente da Associação Alagoana dos Peritos em Criminalística, Paulo Rogério.

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