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E se os evangélicos tomassem a sua casa?

Analisar crises sociais convulsivas requer interação constante com tais contextos, seja através de leitura, escuta, escrita e outras formas de observações.

Vou aqui remexer em um quebra-cabeças que começou a ganhar forma em minha percepção de analista social, em janeiro de 2017, quando estive na cidade de Cochabamba, na Bolívia, que além dos seus encantos em forma de floração na base dos Andes, mostrou no mesmo dia de chegada, uma caminhada com mais de vinte mil evangélicos, protestando contra o então presidente Evo Morales, que já lutava para “conter” o avanço do evangelismo sobre a cultura originária.

A quantidade de indígenas que participava daquela caminhada era grande, e as lideranças pastorais eram significativamente estrangeira. Conversando com funcionários do hostel e outros cidadãos de Cochabamba, a maioria apoiava aquele movimento, que colocava Evo Morales contra a bíblia em sua narrativa popularizada.

Pichações contra Evo também eram encontradas aos montes pelos muros da cidade. Ao findarem as duas semanas por lá, diante de tudo o que vimos com relação à manipulação da opinião pública burguesa e mediana contra o presidente, intimamente lamentava aquela tendência.

Quando se aproximaram as eleições para a presidência no mês de outubro de 2019, o país já se mobilizava para possíveis desfechos de violência, e os estrangeiros foram orientados à precaução, pois a vitória de Evo era esperada e grupos juvenis insuflados por sentimentos de patriotismo burguês, estavam preparados para o ofensiva nas ruas, com bloqueios e outros atos, que acabaram se confirmando.

Assim, o campo da simbologia foi armado para o golpe. Um pseudo-levante popular financiado por alguma força manteve estas hordas atuando, apavorando, e clamando pelo que compreendiam ser justiça e liberdade, enquanto faziam o trabalho que interessava aos golpistas.

Os grupos pró-Evo Morales, não sendo de se estranhar – são compostos por maioria indígena, na plurietnia que sustenta a wiphala como símbolo. Estão nos arredores das cidades, área campesinas, ou nas montanhas, operando a sobrevivência em estreita luta contra os ideais de gente que foram importados por estrangeiros, principalmente aqueles ligados às religiões.

Deste modo, os bolivianos que se sentem representados pelo rosto de índio de Evo Morales, são aqueles que sentiram o peso da colonização desde seu princípio, e assim como nós brasileiros colonizados pelos portugueses, nunca mais puderam viver sem a interferência do poder branco, com suas artimanhas religiosas ditatoriais.

Jeanine Áñez é a trombeta deste segmento colonial, afinada com outras representações do capitalismo arcaico, que envolve latifúndios e empresariado, sob a égide de uma bíblia oca, sem Deus e sem povo, objeto de manipulação e arma de dominação.

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos, se pronuncia contra o Decreto 4078 da presidente autoproclamada, que autoriza militares a controlarem a ordem pública, sem responsabilização criminal pelo resultado dos atos, o que já ocasionou mais de 20 mortes, em apenas alguns dias.

Enquanto isso, no Brasil, fiéis evangélicos agradecem a Deus pela restauração da paz na Bolívia, após o golpe gospel.

Os indígenas sabem que muito mais perigoso do que arriscar as vidas sob a mira da bala estatal, é arriscar a história dos povos, no avanço da neocolonização branca, capitalista, religiosa – que sempre resultou em sínteses crudelíssimas de opressão e morte longeva, que mata corpos, culturas e memórias.

Que o mundo olhe com empatia e solidariedade para a Bolívia.

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