Discretas esperanças nas eleições

A experiência mais discutida na eleição presidencial foram as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), criadas no Rio

Fernando Gabeira- Estadão

O que têm que ver as eleições com segurança nas  metrópoles brasileiras? Prefeitos e vereadores que delas emergem não têm  como função específica garantir a segurança pública. Mas não podem dar  as costas ao tema.

A experiência mais discutida na eleição  presidencial foram as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), criadas  no Rio. Sucesso entre os moradores, a imprensa e até no comércio  imobiliário, que delas se beneficiou, essas unidades são, no conjunto,  um cinturão no setor da cidade que abrigará a Copa do Mundo. Além dos  benefícios para os moradores, o governo consegue demonstrar o domínio  sobre o território, apoiado por quedas no índice de criminalidade.

Mas  vistas de bairros mais remotos, áreas metropolitanas e cidades médias,  as UPPs significaram mais perigo no cotidiano, porque os ocupantes dos  morros foram dispersados. O índice de assassinatos na Baixada Fluminense  é o dobro do registrado na capital. Essa diferença não nasceu agora,  apenas revela onde é mais perigoso viver. É o tipo de realidade que o  planejamento de eventos internacionais não pode encobrir. Seu objetivo é  garantir os jogos, e não necessariamente a segurança conjunta.

Eleições  municipais não mudam tal realidade, mas poderiam atenuar seu impacto.  Prefeituras têm algo essencial: informação sobre inúmeras variáveis.  Respeitada a privacidade, combinados e analisados, esses dados seriam  uma ferramenta complementar para uma política de segurança. Uma rede de  guardas municipais conectados pode dizer muito, a todo instante, do que  se passa nas ruas. O risco continuará a existir, mas a informação pode  trazer mais clareza sobre como é administrado e empurrado para a  periferia. São os bairros mais distantes, de modo geral, que recebem  outros riscos decorrentes dessa administração. Para lá vão os presídios,  manicômios, aterros sanitários, traficantes e milícias.

Em muitas  áreas da metrópole a insegurança está na própria moradia. O Brasil  desenvolveu um modelo original. O capitalismo no seu curso espontâneo  tende a empurrar as pessoas para áreas de risco. E os socialistas lutam  ardentemente para que elas continuem lá, no perigo extremo.

A  energia central está na construção de novas moradias. As cidades esperam  muito de programas ambiciosos como o Minha Casa, Minha Vida. E às vezes  não percebem a energia da própria comunidade, como a de Vieira,  distrito de Teresópolis, que construiu dez casas, a R$ 10mil cada, por  conta própria. Foi preciso que um grupo se cotizasse e buscasse mais  recursos entre pessoas simpáticas à reconstrução. A única demanda ao  governo foi que emprestasse uma de suas máquinas, locadas na região,  para algumas horas de trabalho.

A possibilidade de renovação nas  cidades não se limita ao uso de recursos inteligentes. Elas têm algo que  governos estaduais e Brasília não conseguem com a mesma intensidade: o  potencial de mobilização. Os dois fatores permitiram que algumas cidades  obtivessem, na luta contra a corrupção, melhores resultados que o  obtido no plano nacional.

Os candidatos poderão ser ultrapassados  pela demanda que começa em reuniões de pequenos grupos em casas de  família e se estende pela rede social. Muito possivelmente, ao lado de  projetos mais amplos os moradores vão querer saber o que está previsto  para sua área, que tipo de crescimento o bairro vai experimentar. Isso  estimula, em certos casos, a dividir a cidade por áreas com projetos  específicos de crescimento, respeitada sua vocação. Um plano desse tipo  foi discutido no Rio em 2008. Adotado parcialmente pelo prefeito eleito,  estimulou o crescimento de um polo de produtores de plantas ornamentais  e flores em Barra de Guaratiba, que cresceu em torno do sítio de Burle  Marx e agora se consolida.

Um projeto para a cidade não se faz só  em ano de eleições. Até porque os candidatos, em níveis diferentes, têm  conhecimentos limitados da cidade que vão governar. Embora dependa muito  da discussão, depende também da existência de grupos que estudem o  problema e, como urbanistas ou acadêmicos, já tenham formulado o  esqueleto do plano.

Campanhas, sozinhas, não pensam a cidade  adequadamente. Com alguma ajuda externa, um dos seus objetivos seria  discernir em 2012 os interesses da Copa do Mundo e os da metrópole, no  conjunto. Em muitas cidades as obras da Copa estarão em pleno curso,  aumentando a sensação de desconforto. Apenas 17% da frota de ônibus do  Rio, por exemplo, tem ar-condicionado. A Copa é no inverno, porém  vivemos nas quatro estações e até hoje não surgiu uma lei obrigando o  ar-condicionado em todos os ônibus. No caso do Rio essa inibição dos  políticos tem suas raízes no jabaculê. Por meio de revoltas sucessivas e  explosões de violência, os passageiros mostram descontentamento.

Embora  o quadro não esteja definido, a eleição em São Paulo tende a ser uma  grande atração nacional. As ideias, todavia, ainda não foram postas na  mesa. Se depender do potencial do impulso externo às campanhas, a cidade  pode oferecer inúmeros debates, entre eles o da sustentabilidade  urbana. Como as duas forças em presença já governaram a cidade, parte da  discussão entre elas será sobre quem fez melhor. Certamente a demanda  vai transcender esse tópico, deslocando-se para o futuro imediato.

No carnaval sonha-se muito, para tudo acabar na quarta-feira. Em eleições, de certa forma, tudo pode começar na quarta-feira.

A  fase até agora vivida foi a de discussão interna dos partidos e  movimentos de coligações. Logo, decerto, começará outra, ressaltando  alguns pecados dos candidatos e estimulando a declaração de seus  princípios morais. Se tudo correr bem, no meio do ano a cidade estará no  centro da cena, com o potencial de inspirar debates de interesse  internacional: para onde vai a principal metrópole da sexta economia do  mundo?

Mesmo quem não gosta de ler programas será tentado a dar  uma olhada. Um bom debate nesse campo fortalece o trabalho do vencedor,  não importa quem seja. Otimismo? Esperar o melhor pode ajudá-lo a  acontecer.

.