Aversão à matemática pode ser combatida aliando a disciplina a atividades cotidianas

Zero Hora

“Eu nasci gostando de matemática”.

A frase, dita pela professora Suely Druck sempre que indagada sobre quando nasceu seu gosto pelos números, é rara. Diferentemente da criadora da Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas, a maioria dos estudantes não gosta da disciplina.

Também é comum que a aversão pelos números aumente progressivamente à medida que as séries vão avançando. Como resultado disso, 89% dos jovens que chegam ao Ensino Médio não têm o conhecimento esperado em matemática.

Conhecida como matofobia, a aversão à disciplina é causa e consequência de falhas ao longo de todas as etapas do ensino. O termo, pouco recorrente em estudos brasileiros, foi cunhado pelo matemático Seymor Papert na década de 1980. Umas das pioneiras do estudo no Brasil é Vera Lucia Felicetti, que pesquisou o problema em alunos do 1º ano do Ensino Médio em Porto Alegre para sua dissertação de mestrado.

— O aluno já chega achando que a matemática é difícil, que não é para todos. Isso constrói uma barreira, e o aluno pensa que não vai conseguir entender. Muitas vezes isso faz com que ele não goste do professor — explica a professora Vera Lucia.

Verdade em muitos casos, esse fato não se aplica aos alunos da escola Mario Quintana, do bairro Restinga, na Capital. Munidos de trenas métricas, lápis e prancheta, os alunos da turma C14 da escola municipal têm aulas de geometria de uma maneira atraente, trazendo para a prática conceitos abstratos. Ao fim do trabalho, os estudantes terão concluído uma planta baixa da escola, contendo uma representação de todas as construções dentro do terreno da escola.

O projeto Medindo a Mario, desenvolvido em conjunto pelos 19 estudantes do 7º ano — série correspondente no sistema de ciclos, utilizado pela escola — e pela professora Cláudia Remus, será apresentado em uma Feira de Ciências. Mesmo diante das dificuldades de uma instituição de ensino público — e de periferia —, Cláudia se mostra otimista.

— Essa gurizada vem com sede. A gente pega vídeos no YouTube, usa o laboratório de informática e jogos pedagógicos. Sempre que temos esses momentos em um ambiente diferenciado, eles respondem muito bem. Inicialmente, a gente chega com medo, mas aos poucos vai conhecendo as crianças e vê que elas dão abertura.

As dificuldades enfrentadas não são poucas: insegurança, falta de saneamento básico e famílias desestruturadas são elementos que dificultam o trabalho dos professores. O esgoto a céu aberto, que invade o perímetro da escola, atrapalhou mas não impediu que as medições fossem concluídas.

— Esse trabalho é bom, principalmente para quem quer ser arquiteto que nem eu — conta Richard Freitas, de apenas 13 anos.

Com empenho e afinco, o trabalho na escola Mario Quintana está aos poucos apagando a palavra matofobia do vocabulário de seus 800 estudantes.

Fatores para prevenir e combater a matofobia:

Professor

Contextualização: trazer a matemática para o dia a dia dos alunos por meio de exemplos que façam parte do cotidiano de crianças e jovens.

Prática: uso de jogos, analogias, metáforas e tecnologias, buscando tornar a linguagem matemática mais prática e palpável ao aluno.

Aluno

Disciplina: é imprescindível realizar tanto as tarefas em aula quanto atividades propostas para casa. É nesse momento que o aluno pode conhecer suas dificuldades, para depois levar as dúvidas ao professor. Realizar as atividades desenvolve o pensamento abstrato, fundamental para o conhecimento da matemática. O aluno tem de ter interesse e vontade de aprender, tem de estar comprometido.

Frequência: o conhecimento de matemática é contínuo a cada aula. A alta frequência é imprescindível para que o estudante não se perca quando novos conteúdos — que dependem dos anteriores — forem apresentados.

Participação: estar presente não basta. O aluno é o protagonista do estudo, deve participar, questionar o professor sem o medo de se expor, de errar.

Direção

Diálogo: professores precisam de um espaço para trocar ideias, para se atualizar. É comum encontrar soluções para problemas cotidianos por meio do compartilhamento de experiências.

Qualificação: muitos professores que atuam como docentes de matemática não têm formação específica, não são licenciados em matemática. É importante qualificar o corpo docente, inclusive por meio de cursos de extensão e de oficinas com carga horária considerável.

Família

Incentivo: pais não devem passar seus traumas para as crianças. É comum que a aversão à matéria passe de pais para filhos, se tornando um problema cultural. Não é porque os pais tiveram uma experiência ruim com a matemática que o mesmo vá acontecer com os filhos.

Cobrança: pai e mãe devem estar atentos sempre, monitorando se os filhos fazem os exercícios propostos. É comum que os pais caiam no erro de deixar de acompanhar os filhos quando o conteúdo fica mais difícil. O acompanhamento deve ser constante.

.