Somos o eco de muitas vidas

Tomados pela correria, desatentamente, aprendemos com nossa civilização alienante a excluir quem nos permitiu vir a ser

Antonio Luiz Seabra- Empresário fundador da empresa de cosméticos Natura- Correio Braziliense

Sabemos bem de nosso pai, mãe e avós. No máximo, chegamos aos bisavós. E os outros? Os que passaram por guerras, gripe espanhola e outras epidemias e pandemias, genocídios, tudo o que, ao longo do tempo, devastou milhões de vidas ainda jovens. Guerreiros que foram capazes de entregar à vida a semente que, em longo encadeamento de gerações, se transformou no projeto da vida que hoje somos. Na celeridade em que vivemos, cada vez mais rápido o passado se torna noite dos tempos. Tomados pela correria, desatentamente, aprendemos com nossa civilização alienante a excluir quem nos permitiu vir a ser.

Seus nomes? Não, não é fundamental que saibamos. Poucos aprenderam a pesquisar sua árvore genealógica a ponto de descobrir o nome e o tempo dos que os precederam. Mas isso não impede que a lembrança, a reverência às vidas todas que engendraram a nossa esteja presente na consciência. Que, mesmo sem fotos ou nomes, possamos homenageá-los, como são cultuados os heróis desconhecidos. No contato e no cuidado amoroso com pais, avós, quem ainda corporifica a essência dos que, no tempo, nos legaram a vida — um pensamento agradecido, a oferenda de uma prece em silêncio. Olhando o céu. Passeando nos jardins. Vendo o nascer do Sol ou o entardecer. Nas paisagens deste mundo, enquanto, em nosso corpo, somos ainda um tipo de lugar dentro do planeta, tenhamos na memória os que não deveriam jamais dela ser exilados. Aí eles devem viver.

A exclusão não ocorre em todas as formas de civilização. No Oriente, tomando como exemplo o Japão, com todo o animismo xintoísta, há verdadeiro culto aos ancestrais. Esse fato parece influenciar da forma mais positiva a autoafirmação, a identidade, por colocar os indivíduos mais em contato com suas raízes, sua história prévia. Assim ocorre também nas civilizações ditas primitivas, nas tribos africanas e indígenas. Ali, além do profundo respeito e do cultivo da presença dos antepassados, há uma relação completamente diversa da nossa, no que se refere aos mais velhos, vistos como os detentores do saber. Verdadeiras bibliotecas vivas, permitem que os jovens e adultos vivam libertos das ansiedades e angústias que marcam cruelmente a civilização ocidental, especialmente as mulheres, com as obsessões e os preconceitos em torno de tudo que se refere ao envelhecimento. Vive-se e respeita-se cada fase da vida, com suas características, com sua beleza própria — como as estações da natureza.

Paralelamente, estudos baseados nessas civilizações permitiram o desenvolvimento de abordagens psicológicas que têm possibilitado novas formas de tratamento e cura para traumas e repressões transmitidos como se fizessem parte do DNA. Essas considerações são feitas, fundamentalmente, para que nossa racionalidade compreenda a importância das conexões, da abertura para a vida que, aparentemente, se foi, mas aqui está. Vida que, reconhecida, pode representar forma de alquimia em nosso contínuo processo de ampliação de consciência em busca da paz, da alegria, da conciliação, do amor e da beleza de viver, aqui e agora, percebendo-se como elo no longo encadeamento da existência humana.

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