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Uma sindicância realizada pelo Igeprev (Instituto de Gestão Previdenciária do Estado de Tocantins) detectou indícios de irregularidades nos investimentos feitos pela entidade em um fundo de investimento brasileiro ligado à The Trump Organization, da família do presidente dos Estados Unidos, Donald J. Trump.
Os relatórios foram entregues ao MPF (Ministério Público Federal) na semana passada e mostram que o Igeprev investiu R$ 35 milhões na construção de um hotel da marca Trump no Rio de Janeiro mesmo depois de o órgão técnico do instituto recomendar que o investimento não fosse feito. O MPF investiga se ouve pagamento de propina a gestores de fundos de pensão para que eles investissem na construção do hotel. Estes documentos, aos quais o UOL teve acesso, devem ajudar nesta investigação. Procurada pela reportagem, a Trump Hotels, empresa que faz parte da The Trump Organization, disse que não comentaria o caso (leia mais abaixo).
O Igeprev é um instituto criado para administrar o fundo de pensão dos servidores do Estado do Tocantins. Para garantir que o Estado terá recursos para pagar as pensões de seus servidores, o Igeprev aplica os recursos oriundos das contribuições sociais pagas pelos servidores da ativa e dos aportes feitos pelo governo do Estado no mercado financeiro.
Em 2015, em meio a suspeitas de que algumas aplicações estavam causando prejuízo ao fundo e comprometendo a solidez do instituto, o Igeprev realizou uma auditoria interna.
Além das investigações comandadas pelo MPF, as aplicações feitas pelo Igeprev são alvo de pelo menos dez ações civis públicas movidas pelo MP-TO (Ministério Público de Tocantins).
Relatório aponta investimento como “imprudente”
Entre as aplicações consideradas pela auditoria como irregulares ou sem liquidez está o investimento de R$ 35 milhões feito pelo instituto no FIP (Fundo de Investimentos e Participações) LSH, cuja finalidade era financiar a construção de um hotel de luxo da marca Trump no Rio de Janeiro.
O hotel deveria ter ficado pronto para as Olimpíadas do Rio, em 2016, mas foi aberto com apenas 70 dos seus 170 quartos.
Em dezembro de 2016, após a deflagração da Operação Greenfield, a The Trump Organization anunciou o fim de sua parceria com a LSH Barra Empreendimentos Imobiliários S.A, responsável pela construção do hotel, alegando que a visão dos responsáveis pela empresa “não se alinha mais com a marca” Trump. A Operação Greenfield investigou se fundos de pensão adquiriram cotas em oito fundos de investimento por valores “superfaturados”.
A sindicância realizada pelo Igeprev mostrou que o investimento foi feito sem o aval da diretoria de investimentos da entidade.
No dia 6 de agosto de 2014, a diretoria de investimentos do órgão emitiu uma “análise de investimento” sobre a possibilidade de o Igeprev fazer um investimento no FIP LSH.
O relatório apontava que o investimento não apresentava a “liquidez” e “diversificação” esperada pelo instituto.
Os técnicos alertavam para o fato de que o Igeprev não tinha tido acesso ao balanço patrimonial da LSH Barra Empreendimentos Imobiliários S.A e que um investimento que dependesse do desempenho de apenas uma empresa representava um “risco muito alto” aos beneficiários do Igeprev, sobretudo considerando que a empresa (LSH Barra) tinha, à época, apenas um ano e oito meses de existência.
A análise concluiu que a aplicação dos recursos do Igeprev no FIP LSH era “imprudente”.
Um dia depois, porém, o então presidente do órgão Francisco Flávio Soares Barbosa contrariou a análise da diretoria de investimentos e autorizou a aplicação de R$ 35 milhões no FIP LSH alegando que a aplicação apresentava “alta liquidez, baixa volatilidade” e proporcionava “diversificação dos ativos” do instituto.
No relatório final da sindicância, o Igeprev diz que ao menos R$ 30 milhões foram investidos no FIP LSH “não com a finalidade de dar rentabilidade ao investidor (o Igeprev)”, mas “com o intuito de favorecer outros interesses”.
Investigações
Em setembro de 2016, a PF (Polícia Federal) deflagrou a Operação Greenfield, que investiga indícios de corrupção na gestão de fundos de pensão como o Petros (dos funcionários da Petrobras), Postalis (dos Correios), entre outros.
Em outubro do ano passado, o MPF revelou que investigava os investimentos feitos pelo Serpros, o fundo de pensão dos servidores do Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados) e do Igeprev no fundo LSH.
Em um despacho, o procurador Anselmo Henrique Cordeiro Lopes disse que era preciso apurar se “o favorecimento pelas entidades de previdência da empresa LSH Barra Empreendimentos Imobiliários e do grupo empresarial The Trump Organization deu-se por meio de pagamento ilícito de comissões e propinas” como apurado em outros casos investigados pela Operação Greenfield.
A assessoria de imprensa da Procuradoria da República no Rio de Janeiro disse que os documentos produzidos pelo Igeprev haviam sido remetidos ao órgão no final da semana passada e que o procurador do caso, Paulo Gomes, ainda não tinha tido tempo de analisá-los.
Outro lado
Procurada pela reportagem, a LSH Barra, responsável pelo hotel, disse que o capital investido pelo Igeprev no fundo teve uma valorização de 56% ao longo dos últimos anos e que o capital inicial de R$ 35 milhões aplicado em agosto de 2014 hoje vale R$ 54 milhões.
A LSH Barra também disse “desconhecer qualquer relação” entre os gestores do FIP LSH e o ex-presidente do Igeprev Francisco Flávio Sales Barbosa, que autorizou a aplicação. A LSH Barra também negou o pagamento de propina a integrantes da direção para obtenção do investimento.
Questionada sobre o motivo da ruptura da parceria entre a LSH Barra e a Trump Organization, a LSH disse apenas que “os termos do acordo para a rescisão do contrato inicial estão em fase final de negociação”.
A LSH Barra disse ainda que a The Trump Organization não tinha conhecimento sobre os procedimentos relativos à capitalização do FIP LSH. “O contrato com o Trump (sic) era exclusivamente para administração do hotel. Todo o processo de capitalização do fundo foi feito pelo administrador e gestor do fundo”, disse a assessoria.
Por e-mail, a assessoria de imprensa da Trump Hotels disse que o empreendimento localizado no Rio “não faz mais parte do portfólio da companhia” e que, dessa forma, a Trump Hotels “não sente que é apropriado fazer qualquer comentário” sobre o caso.
A reportagem do UOL solicitou ao Igeprev os contatos do ex-presidente Francisco Flávio Sales Barbosa, mas o órgão informou que não tinha os telefones dele. A reportagem também tentou localizar os contatos do advogado de Barbosa, Jackson Weber, junto ao cadastro nacional da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), mas ele não informou seus telefones.