Sergipe: Mães atrás das grades

Entre lágrimas, elas dobram as roupas dos filhos e perguntam: por que cometi este crime?

Conform

Ela era vendedora de churrasquinhos e, em janeiro deste ano, foi presa por estelionato. Tem 26 anos. E daqui a 15 dias já nasce seu segundo filho. Foi exatamente enquanto arrumava a malinha de seu esperado bebê, numa manhã de tempo nublado, que Renata, como preferiu ser identificada, concedeu entrevista ao Cinform. Depois que seu amado nascer, infelizmente, ela terá apenas seis meses para amamentar, dar banho e desfrutar de sua companhia. Mas qual será o sentimento de uma mãe diante da separação tão precoce de seu filho recém-nascido? Quem deve entender muito bem essa dor são as mulheres gestantes e as mães do Presídio Feminino de Nossa Senhora do Socorro – Prefem. Renata é uma delas.

Com as lágrimas rolando no rosto, Renata revelou a angústia que é pensar em não ter por muito tempo o filho em seus braços. “Não gosto nem de pensar na separação. É uma dor tão profunda que dói a alma”, desabafou a interna.

A equipe de reportagem do Cinform Online chegou ao Prefem no momento em que Renata estava organizando o enxoval. O olhar dela era profundo e parecia até de arrependimento. Quem sabe ao dobrar as roupas da criança, não passava em sua mente: porque eu cometi esse crime, o que será do meu filho?

E foi o que ela pensou. “A sensação de estar arrumando as coisas do meu filho é única, mas se eu estivesse fazendo isso em minha casa estaria mais feliz para curtir minha gravidez, do que aqui no presídio. Por meus filhos não cometerei os mesmos erros. Estou muito arrependida”, disse a detenta.

Será que a autônoma sente medo da rejeição dos filhos no futuro? Esse tempo tão distante ninguém pode prever. Agora, é sua mãe que cuida do neto de cinco anos, e como desculpa sempre diz ao garotinho que ela está estudando para oferecer um futuro lindo a ele. “Meu outro filho, o de cinco anos, veio uma vez me visitar. Eu pedi para o trazerem. Meu menino ficou me chamando para ir para casa”, disse a interna, ao lembrar a dor de ver sua mãe colocar o menino nos braços e ele a chamá-la com as mãos. “Eu jamais, nunca em minha vida, vou cometer outro crime. De jeito nenhum”, repetiu Renata com olhos cheios de lágrimas.

Sobre o estelionato, Renata não quis revelar detalhes do crime. “Eu cometi o estelionato por necessidade. Não vou mentir. Ninguém me induziu, eu que quis fazer. Nem meu marido sabia. Eu dizia a ele que ia trabalhar”, explicou.

COMO SÃO TRATADAS

A diretora do Prefem, Lília Melo, relatou histórias de separação que emocionam. “É muito doloroso a hora de tirar a criança dessa mãe. Por isso nós realizamos um trabalho de conscientização”, explicou a diretora e acrescentou que há casos de mulheres que chegam ao presídio com oito meses de gestação e nunca fizeram um acompanhamento com a ginecologista. “Muitas chegam aqui sem ter feito o pré-natal. Nas ruas elas não se preocupam”, ressaltou.

Para que as mulheres realizem o pré-natal, a Secretaria de Estado da Justiça e de Defesa ao Consumidor – Sejuc – têm parceira com o Centro de Atenção Integrada a Saúde da Mulher- Caism. O Prefem é o único presídio feminino de Sergipe que é temporário e fechado. Não há o regime semiaberto como o masculino na cidade de Areia Branca. “Não tem indulto (passar o dia das mães com a família), porque não há interna no semiaberto, quem tem direito a essa saída temporária é o preso desse tipo de sistema carcerário”, disse a Lília.

TRANQUILAS

No corredor de acesso ao berçário, e dentro dele, as internas seguravam os filhos, colocavam para ninar, afagando seus rostos. As gestantes acariciavam a barriga. Será que a maternidade deixa as internas menos revoltadas? Lília Melo revelou que sim. “Há poucos dias o filho de uma detenta de 18 anos foi levado. Era o bebê mais bonito daqui. Era super saudável, apesar dela ser usuária de drogas e ter sido presa com crack nos órgãos genitais. Ela é rebelde, mas na gestação ficou mais tranquila”, relatou a diretora do Prefem.

Histórias como essa, faz qualquer pessoa refletir que não importa qual crime foi praticado. Ser mãe é uma dádiva. “Toda mulher grávida é mais sensível. Geralmente, a gente separa as internas, deixando-as em celas juntas. Celas mais frescas por causa do calor. Colocamos as grávidas em um pavilhão só, onde ficam os berçários”, descreveu Lília.

FAMÍLIA OU ABRIGO?

Quando os bebês do Prefem completam seis meses eles são encaminhados aos cuidados dos familiares ou de um abrigo. A diretora do presídio faz questão de procurar cada família para verificar a situação em que vivem. Se os indicados não tiverem condições financeiras e emocionais para criar a criança, elas irão para um abrigo público, até que a mãe possa reaver a guarda.

“Nós preferimos que a família fique com a criança, do que ela ir para um abrigo. Eu lembro que uma avó chorou muito no dia que entregamos o bebê, porque ela só ganha R$ 100 por mês, como iria cuidar da criança?”, questionou Lília Melo.

Nesses casos o Governo deposita uma quantia em dinheiro na conta da família que cuidará do bebê. “Para quem tem um bebê e já está sentenciada, nós colocamos para trabalhar aqui no presídio e o dinheiro é transferido para a conta da família”, disse a diretora.

BERÇÁRIO

Uma mãe estava sentada na cama do berçário e, junto ao seio, amamentava a filha de três meses. Enquanto outra segurava o bebê com muito cuidado na banheira. A cena poderia ter acontecido em uma praça, parque ou clube, mas se deu em meio a muros imensos, cobertos por cercas elétricas de alta voltagem e policiais fazendo a guarda do lugar.

Presa por tráfico, a manicure Graziele* olhava para a pequenina e conversava com ela. “Eu evito imaginar o dia da separação. É a pior a sensação do mundo. Dói demais”, desabafou a detenta. As internas se alojam em três grandes quartos. Os berços ficam ao lado da cama das mães. “Elas cuidam o dia todo dos seus filhos”, garantiu Lília.

DEPRESSÃO

As internas sempre costumam revelar para a diretora Lília o temor de serem rejeitadas pelos filhos. E muitas delas por causa da angústia da separação ficam muito depressivas.

“Uma interna nossa se separou de dois filhos e os familiares os levaram para outro Estado. Ela chegou a ter muita febre e depressão. Para amenizar a dor das mães, uma equipe de psicólogos, enfermeiros e assistentes sociais atuam no Prefem. Nós fazemos o possível para ajudar as internas nesse momento tão triste”, finaliza Lília Melo.

*Nomes fictícios foram utilizados para preservar a identidade das mães.

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