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Religiosos de esquerda em diálogo com espíritas

Tomei a iniciativa de dialogar com as provocações benéficas de Marcão Pinar, que publicou no grupo Religiosos de Esquerda o texto abaixo:

” Aos companheiros Espíritas Kardecistas

Venho percebendo pelas mídias sociais uma disputa de hegemonia que busque levar ao Espiritismo um discurso progressista como da origem da sua doutrina e sua matriz idealizadora que é o Cristianismo Primitivo.


Já temos vários grupos que se identificam, que poderíamos enxergar a similaridade com a Teologia da Libertação, que fez e faz sua disputa de hegemonia contra setores conservadores que muitas vezes se distânciam do Cristo.


Temos no Espiritismo hoje uma figura” ilustre” Divaldo Pereira Franco que defende esse governo, que defende Moro como “Emannuel” reencarnado.


Mesmo com números apresentando que a diferença de votos em Bolsonaro não foi tão maior do que em Haddad, sinto companheiros espíritas se distanciando das casas por esta influencia reacionária nas casas espíritas.


A minha provocação é o que fazer? O que está sendo feito para disputarmos de uma forma humanística nossa interpretação do Kardecismo e do Cristianismo Primitivo?


Com o ninguém solta a mão de ninguém, quais caminhos? Nos reconhecermos nas casas? Nos aproximarmos e nos reconhecermos como grupo?


Montar casas com a leitura nova mais à esquerda progressista?
Qual seria a literatura espírita de esquerda já existente?
A ideia desta postagem é um começo de uma troca de idéias. ” Link

A percepção que nosso amigo Marcão Pinar teve a partir dos posicionamentos de espíritas à esquerda ou progressistas, nas mídias sociais foi a de que existe uma disputa por hegemonia no seio do movimento espírita brasileiro.

Estará correta esta interpretação? Ou ainda existe em nós o pudor da luta política?

De minha parte, achei deveras interessante tal leitura. Pois o gérmen da negação da legitimidade de ser um espírita político foi plantado no fundo da identidade cristã/religiosa da maioria de nós. E tal desenlace não é fácil de consumar.

Por outro lado, esta luta por uma hegemonia doutrinária progressista, não prevê ocupação de cargos, nem referências escalonadas, mas simplesmente o retorno à origem do Espiritismo, algo que segundo nosso amigo de diálogo, aproxima a doutrina livre de dogmas do Cristianismo Primitivo.

De cá, eu cismo e me delicio com esta proposta. Talvez muitos de nós não faça ainda tal associação, mesmo quando veste a identidade política progressista com inclinações kardecianas, socialistas, avançadas em pontos nevrálgicos da mentalidade conservadora.

O Cristianismo Primitivo é inspirador em sua base de amor e desapego, fidelidade ao céu comum, e atravessou a cronologia secular como resistência, referência, inspirando mártires e ativistas ao longo da história.

A meu ver, muitos diálogos ainda precisam acontecer para que tantos elementos possam ser reunidos, neste mosaico tão novo quanto antigo, revelando que a insubmissão aos padrões pode ter partículas de energias celestiais, materializando caminhos de renovação neste rincão terreno, que por tantos motivos parece perdido no eco da cosmologia, mas não está, nunca esteve.

O Espiritismo não deveria ter “figuras ilustres”, por configurar personalismo, mas infelizmente o Brasil gerou seus ilustrados ao modo mais elitista e alienado de ser. Hoje são poucos os que conseguem quebrar esta idolatria com suavidade.

De minha parte, considero Divaldo Franco apenas um médium como existem e existiram muitos, fazendo parte a seu modo cada qual, do próprio tempo histórico, contribuindo e recebendo contribuições. E discordo publicamente de inúmeras de suas concepções e ações, por compreender que exercem grande influência sobre o público, e contaminam mentalidades com a sua própria, que pelas razões mesmas citadas no texto de Marcão já denunciam para qual lado pende sua ideologia.

Quanto ao distanciamento de muitos espíritas das casas, nós também acompanhamos este fenômeno que se tornou crescente desde o ano de 2018, quando grande contingente não suportou conviver com expressões fascistas no ambiente que considerava sagrado. Alguns retornaram, outros migraram para campos de fé semelhantes e também existem os que não retornam e mantém a identidade espírita a partir dos estudos e das crenças na continuidade da vida após a morte do corpo físico, reencarnação e influência dos espíritos desencarnados. Estes contingentes se reúnem por afinidades, seja fisicamente ou virtualmente.

O que fazer? Seguir, abrindo caminhos e descobrindo novas maneiras de ser espírita entre os espinhos e abrolhos, mantendo os direcionamentos de Jesus e Kardec.

O ano de 2019 foi rico de possibilidades. Vários agrupamentos espíritas se reuniram em momentos grandes de formação, informação, troca de energia afetiva sobre a proposta de recusar as influências da violência classista que adentrou o movimento espírita por diversas frestas. Foi exitoso do ponto de vista da agregação, da solidariedade e acima de tudo, da acolhida aos que sentiam solidão e vácuo.

De modo particular, estive como elemento agregado ao I Encontro Nacional Espíritas à Esquerda, na cidade de Salvador, no dia 26 de outubro de 2019. Uma ação política de espíritas que assumiram uma frente que envolve atitude e fé, levantando bandeiras humanitárias sob a inspiração da imanência, na busca pela confirmação da fé raciocinada nos caminhos de um amor que se expande socialmente, coletivamente.

Criamos elos com outros conglomerados afins. Estamos caminhando de modo parceiro e rasgando estes dias ameaçadores com a esperança, os estudos e as ações libertárias.

Pautas urgentes também nos sensibilizam, não omitimos a consideração da homofobia, xenofobia, intolerância religiosa, racismo, misoginia, empobrecimento e miserabilidade dos trabalhadores e os ataques frontais à democracia na América Latina como políticas trevosas.

Mas a liberdade de cada grupo direciona suas atitudes, construções e reconstruções. As experiências exitosas, quando partilhadas, inspiram mudanças e tentativas. Não há receita.

De modo particular tenho mantido aproximação com a Pedagogia Espírita, e buscarei aprimorar meus próprios saberes participando de uma Pós-Graduação oferecida pela Universidade Livre Pampédia, gerenciada por Dora Incontri, uma pesquisadora incansável, com inúmeras contribuições literárias na seara da compreensão espírita renovada.

No entanto, não é a única fonte. Nos canais onlines podemos encontrar uma diversidade de contribuições libertárias, chame à esquerda ou progressista, que são acessadas facilmente.

Com satisfação pelo diálogo e esperançosa na continuidade da troca de ideias na manutenção dos ideais, como livre pensadora espírita agradeço pela oportunidade de aproximar nosso ativismo dos Religiosos de Esquerda.

2 respostas

  1. Obrigada pelo compartilhamento de suas idéias e análises neste texto, Ana Cláudia Laurindo! Que Deus te abençoe!

SOBRE O AUTOR

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