Por que Donald Trump?

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* Por Sérgio Abranches

A superterça das primárias nos Estados Unidos deixou a maioria dos republicanos convencida de que Donald Trump está a algumas vitórias de obter a candidatura do partido. Em lugar de comemoração, o que se viu foi uma enxurrada de declarações hostis e uma acesa controvérsia sobre a melhor estratégia para derrotá-lo. Concentrar as forças do establishment em um só candidato, ou forçar a máxima fragmentação possível, para depois reunir todos contra Trump na convenção.

As duas têm problemas. A dificuldade da primeira é em quem concentrar os votos anti-Trump. Kasich o predileto, não decolou. Rubio, o “plano B”, não convenceu. Cruz é o segundo mais votado, mas é rejeitado, pela maioria da cúpula partidária, pelo seu excessivo evangelismo. A segunda enfrenta o fato real de que, até agora, com maior número de candidatos, essa fragmentação não enfraqueceu a posição de Trump. Pior, torna-se menos plausível diante da dura realidade de que o resultado até agora tem sido o abandono dos outros candidatos. Já caíram fora Carly Fiorina, Chris Christie, Jeb Bush e Ben Carson.

Mas por que a cúpula partidária não quer Trump? Da mesma forma que Trump parece ter o condão de agradar a uma porção crescente do eleitorado republicano, ele tem o dom de desagradar a oligarquia partidária. Para uns, ele é um “forasteiro”, nunca foi do clube. Para outros, nunca foi um verdadeiro republicano. Os liberal-conservadores do partido, não confiam nele porque ele apóia o Obamacare e defendeu um imposto pesado, aplicado uma única vez, sobre grandes fortunas. Os social-conservadores, desconfiam de suas posições sobre o aborto. Porque já foi “pro-choice” (pela escolha, que equivale a descriminalizar) e agora se diz “pro-life” (pela vida) com exceções. Admite o aborto legal em casos de estupro, incesto e risco à saúde da mãe. Os linha-dura da segurança nacional o rejeitam porque ele elogiou o desempenho de Hillary Clinton como Secretária de Estado e se opôs à guerra do Iraque. Sua tese é que os EUA não têm por que sair pelo mundo garantindo militarmente a segurança nacional de outros países, que não se abalariam para defender os EUA contra ameaça à sua segurança. Trump é populista e nacionalista. No caso da imigração está à direita do partido e defende o fechamento das fronteiras e a expulsão de milhões de imigrantes ilegais.

Por que, então, as bases republicanas o favorecem mais que a oligarquia partidária? O que as pesquisas de politólogos têm mostrado é que o eleitorado de Trump é heterogêneo em idade, sexo, educação, ocupação, origem étnica e renda. O que eles têm em comum são valores e crenças que têm alta expressão em clássicas escalas comportamentais que medem autoritarismo. Eles valorizam conformidade com as regras e a ordem, temem os “forasteiros”, apóiam lideranças fortes e vêm o mundo dividido entre nós e os outros, definem amigos e inimigos e aderem a essa separação ortodoxamente e são contrários à ideia de que as minorias precisam ser defendidas da “tirania da maioria”. Outra caraterística comportamental comum aos eleitores de Trump é o sentimento de ameaça pessoal de ataques terroristas.

Bom, isso explica quem apóia Trump. Mas não explica o divórcio entre a cúpula partidária e o favorito de parcela expressiva do eleitorado republicano. É que essa parte do eleitorado há muito se divorciou da oligarquia partidária. Uma oligarquia de super-ricos que já não se importa com o estreitamento das oportunidades do “sonho americano” para “os verdadeiros americanos”. O sentimento nacionalista, excludente dos outros, mas que gostaria de um líder forte criando condições iguais para os “verdadeiros” e expulsando os invasores. Pode ser mais perigoso na presidência, que o filho do presidente que resolve governar como se fosse o “commander in chief” em plena Guerra Fria. Falo de G. W. Busch, claro.

Entre os Democratas, esse divórcio entre a oligarquia partidária e o eleitorado ocorreu quando Obama foi eleito. Agora, a maioria prefere Hillary Clinton, legítima representante dessa oligarquia. Mas, basicamente porque, embora entusiasme os jovens, Bernie Sanders tem ideias velhas e não expressa tão bem quanto Trump o sentimento crescente de descontentamento com as oligarquias. Obama, como presidente, foi um mestre do hibridismo, conseguindo manter-se razoavelmente confiável para a oligarquia democrata e atender suficientemente as demandas da base partidária.

Esse divórcio entre eleitores e oligarquias partidárias é, hoje, universal. Na Espanha, implodiu o bipartidarismo e levou o país ao impasse. O parlamento acaba de rejeitar a proposta do líder do PSOE, Pedro Sánchez de formar um governo baseado em aliança minoritária com nova centro-direita do Ciudadanos. Esse impasse pode acabar em novas eleições aí por maio-junho. No Brasil, essa repulsa às oligarquias partidárias expressou-se parcialmente no voto pró-Marina Silva. Em outros lugares, a falta de alternativas mais progressistas, como nos Estados Unidos, tem levado ao crescimento da ultradireita, sobretudo com o voto dos autoritários como os que apóiam Trump.

O que todas essas tendências mostram é a irremediável crise dos partidos e de liderança política. Essa crise aponta inevitavelmente para a decadência dos partidos, com a estrutura tradicional, que mudou muito pouco ao longo de todo o século XX e para a rediscussão da democracia, em busca de mecanismos que aumentem sua representatividade, o teor de participação social nas decisões e de controle social sobre Executivo e Legislativo.

* Sérgio Abranches é cientista político, escritor e comentarista da CBN. É colaborador do blog com análises do cenário político internacional

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