O setor elétrico e o metabolismo da eficiência

Essa visão desloca a discussão para fora do setor e acopla sua solução a problemas de mais difícil e lento equacionamento

Paulo Pedrosa- presidente-executivo da  Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e  de Consumidores Livres (Abrace)-Valor Econômico

Há no país o consenso, resultante da constatação  pelas mais variadas fontes, de que as tarifas e preços da energia  elétrica brasileira estão entre os mais altos do mundo. Apesar de não  haver uma visão comum sobre as causas do problema, há a tendência de  explicar o fenômeno a partir das elevadas alíquotas de ICMS, PIS e  Cofins, que chegam a mais de 30% das contas de energia.

Essa visão  desloca a discussão para fora do setor e acopla sua solução a problemas  de mais difícil e lento equacionamento. Na verdade, há muito a ser  feito no próprio setor para reverter distorções acumuladas – e com  ganhos alavancados automaticamente com a redução da carga tributária,  que passaria a incidir sobre uma base menor. Isso depende não só do  encaminhamento adequado das concessões do setor elétrico com vencimento  nos próximos anos, como da alocação correta de custos e riscos do setor,  e análise de encargos e das políticas atribuídas aos consumidores de  energia.

Esses e outros aperfeiçoamentos podem se dar por meio do  planejamento, gestão e decisões de governo. Mas as maiores oportunidades  talvez estejam no funcionamento do setor e do seu mercado e podem ser  resumidas no fortalecimento do metabolismo da eficiência, expressão  atribuída à presidente Dilma Rousseff quando ministra de Minas e  Energia. Esse fortalecimento passa pela premissa de aproveitamento da  inteligência dispersa na “nuvem” do mercado, estimulada por sinais  econômicos corretos por parte do governo e órgãos reguladores.

Há alternativas para fazer com que o custo da energia diminua para todos os consumidores

A  questão da segurança do abastecimento ilustra bem esse quadro. Os  consumidores pagam compulsoriamente por ela ao cobrir custos da energia  de reserva e do despacho fora da ordem de mérito econômico de térmicas  para manter o volume de água nos reservatórios.

O problema é que  esses custos já deveriam fazer parte dos contratos de energia. O setor  vive, portanto, um paradoxo: em um momento em que se preza a contratação  em horizonte de longo prazo, o ambiente regulatório sinaliza na direção  contrária ao estimular práticas defensivas de curto prazo e não  permitir aos consumidores gerenciar suas contratações com a venda de  excedentes. Com isso, desvaloriza a principal característica do contrato  de longo prazo, que é ser um seguro contra as variações significativas  de preços.

Questões semelhantes se verificam na expansão do parque  gerador. O consumidor livre não pode contratar a energia dos novos  empreendimentos nas mesmas condições que os cativos, mas torna-se  corresponsável por seus impactos no aumento dos custos de transmissão,  perdas e encargos cobrados para compensar as características dos  empreendimentos no tocante à entrega da energia e potência contratadas.  Isso compromete o metabolismo da eficiência, uma vez que distribui  riscos de forma inadequada entre grupos de consumidores, geradores e  comercializadores, e imputa custos que resultam em perda de  competitividade da indústria e, consequentemente, de toda a economia  brasileira.

Outra perturbação significativa se refere às  distorções provocadas por políticas energéticas que contribuem para o  aumento do custo da energia. Os subsídios à energia incentivada, por  exemplo, desperdiçam recursos da sociedade porque não há mecanismo que  capture, nos projetos a eles vinculados, ganhos de eficiência já  disponíveis. Esse é o caso dos descontos aplicados às tarifas de  transporte, que continuam privilegiando segmentos que já se provaram  competitivos.

O metabolismo da eficiência também passa pela  revisão de encargos setoriais vinculados a políticas de desenvolvimento  social e regional, como é o caso da atual Conta de Consumo de  Combustíveis (CCC) e da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), que  são cobradas na proporção da energia consumida. Esse procedimento se  justificava para a velha CCC, destinada a reduzir o custo global da  produção de energia no sistema interligado. Ocorre que, com a mudança no  conceito dos encargos, terminamos prisioneiros de uma situação que  aloca o custo de políticas públicas de forma proporcionalmente maior  para as grandes indústrias – que usam mais energia e menos sistemas de  transmissão e distribuição.

Claro que a solução mais racional  seria retirar o custo dessas políticas públicas das contas de energia  porque, por mais positivos que sejam seus méritos, deveriam ser  custeadas diretamente pelo Tesouro Nacional, de forma transparente. Mas,  sendo tal solução de implementação mais lenta, por ora pelo menos os  valores cobrados deveriam ser proporcionais às contas finais, de maneira  isonômica a todos os consumidores.

Por fim, o momento propício  criado com a perspectiva de encaminhamento adequado das concessões é a  grande chance para reversão das distorções aqui citadas e de outras, que  ampliaram em mais de 100% os custos da energia para a indústria  nacional nos últimos dez anos. Independentemente da opção pela renovação  ou nova licitação das concessões, esse deve ser o foco do governo nesse  processo.

Ao enfrentar essas questões de maneira a aumentar o  metabolismo da eficiência, o setor elétrico terá condições de fazer o  custo da energia diminuir para todos os consumidores. Felizmente, sinais  da Presidência da República, do Ministério de Minas e Energia, da  Agência Nacional de Energia Elétrica e do Congresso Nacional permitem  uma visão de confiança dos consumidores em que o país terá disposição  para corrigir distorções que se acumularam em décadas e devolver ao  setor elétrico sua condição de contribuir decisivamente para o  desenvolvimento nacional.

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