A Psicologia, enquanto ciência, pode ser utilizada de muitas maneiras para a compreensão dos fenômenos psicossociais. Enquanto profissão, os limites de atuação e prática são determinados por condições sócio-históricas. Isto é, por variados fatores de ordem política, econômica e cultural.
A segunda metade do século XX foi de extrema importância para o pensamento psicológico e a produção de novas teorias aliadas de novas práticas. As tentativas de refazer a Psicologia surge da vontade de profissionais de um determinado tempo histórico e sob a insígnia de manifestação contra golpes e rupturas políticas ao redor do mundo, mas, especificamente na América Latina, o pensamento contestador encontra grande crescimento e espaços entre os profissionais da época.
De fato, a categoria profissional dos psicólogos tem uma jornada de dissidências, cisões e até rupturas em sua organização epistêmica. Os pressupostos e os dilemas que a percorre são de extrema dificuldade de convergência, o que não deveria impedir, entretanto, a manutenção da organização política.
Contudo, bons psicólogos não garantem “boa profissão” e boas memórias e realizações pessoais não modificam uma estrutura social e cultural que não beneficia a atuação do psicólogo, encolhendo suas possibilidades de atuação.
Olhar para trás não pode ser colocar em pedestais grandes autores e trabalhos do Brasil e da América Latina. Eles não vão nos dar status de “críticos” ou de “alternativos”, afinal de contas só a práxis revela a capacidade da teoria compreender a realidade e a realidade dar sustentação a teoria.
São 58 anos de Psicologia. O símbolo de nossas conquistas do passado jamais deve nos paralisar no presente, mas enfatizar a dialética e a contradição entre passado, presente e futuro no movimento que configura (re)construções. O estudo da profissão nos revela esta contradição e, ao mesmo tempo, nos revela caminhos para a materialização das nossas contestações enquanto trabalhadores.
Sugiro ao leitor uma atenção especial a este trecho de um artigo falando sobre o sindicalismo e Psicologia no Brasil, nesta parte específica o autor discute o principal problema da participação dos profissionais no Sindicato (ver Leite, 1984); ele foi escrito em 1984, mas também revela sua atualidade, veja bem:
“O problema central, sem dúvida, é a questão da consciência que se tem a respeito das relações sociais, dos problemas que afetam a população, da importância social do trabalho, da relevância da profissão assumida, questões estas que refletem o próprio compromisso político do profissional”.
É completamente plausível que a forma política das atividades da época seja inteiramente diferente hoje entre os profissionais, principalmente os mais jovens, estudantes e recém formados. As mudanças são extremas e refletem variados fatores, mas, sobretudo, o direcionamento ideológico atual é outro.
O “trabalho do psicólogo” nem sempre é uma questão aos psicólogos, pois a tendência é negligenciar esta dimensão trabalhista através de objetivos pessoais, realizações pessoais, vontade de ajudar o próximo, etc. Obviamente estes objetivos são de extrema importância se não se tratasse de uma questão menos individual e mais coletiva.
Como uma questão só é uma questão quando o sujeito a reconhece enquanto tal, como o psicólogo se organizará politicamente? E quem poderia questionar suas aspirações mais íntimas que cresce em meio a um contexto sócio-histórico específico?
A realidade concreta nunca aparece a consciência como é. As consciências só se apercebem das relações objetivas que acompanham a trajetória da história social, quando são mediadas pela atividade e interação com atores e instituições sociais que dão coesão à personalidade e ao comportamento.
No texto passado (veja aqui), eu situo a Psicologia em Alagoas em uma expressão político-ideológica conservadora e neoliberal. Aqui, não poderia ser diferente, visto que a própria divisão social do trabalho, em Alagoas, é problemática à medida que as possibilidades do sujeito estão nas mãos de oligarcas e famílias tradicionais.
Toda expressão política alagoana passa por esse crivo e as contestações marginais são elencadas na sociedade como escória ou associadas a marginalidade. Basta ver como são escassos os trabalhos científicos de psicólogos sobre a lutas sociais por moradia ou por terra, ou mesmo sobre economia solidária e psicologia social do trabalho. O campo não existe para a Psicologia alagoana, mesmo nas instituições que se autoproclamam críticas.
Estas instituições, sobretudo as de representação profissional e as faculdades de Psicologia em Alagoas são, em última instância, centradas na urbanidade e em pequenos nichos “críticos” de pessoas que decoram frases de Michel Foucault. Ademais, alegam-se pós-modernos e flutuam num limbo de amorfismos e ostentação “intelectual” numa cruzada cada vez maior contra Marx e ao marxismo.
Saiba mais:
LEITE, S. A. S. Sindicato: uma entidade ainda desconhecida do psicólogo. Psicologia: Ciência e Profissão, vol. 4, n. 1, 1984. Disponível em: <https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-98931984000100003>