Este texto vem de uma variedade de inquietações que têm surgido da minha experiência enquanto psicólogo alagoano. Desde já, aponto para minha recente inserção na profissão e, deste modo, este texto não pretende ser conclusivo, mas juntar elementos e características da minha experiência e análises a partir de momentos com colegas profissionais, professores e representantes da categoria.
A necessidade de compreender a Psicologia como profissão no Brasil já levou variados autores a pesquisar sobre o tema. Em meio a efervescência cultural e intelectual dos anos 80 era comum se preocupar com o presente e o futuro da profissão para fins de reorganização de suas propostas para suprir as demandas da nova sociedade “democrática” que surgia.
O auge deste movimento encontra-se, justamente, nos trabalhos feitos em São Paulo pelo próprio Conselho Regional e Sindicato dos Psicólogos. Para ter mais referências sobre o tema, vocês podem consultar o trabalho do professor Oswaldo Yamamoto.
No entanto, até agora, nada me foi apresentado sobre a profissão em Alagoas e sua história aparece encoberta de muitas controvérsias, sobretudo na relação Conselho-Sindicato.
Como não sou conhecedor desta história, não posso tecer considerações e análises sobre isso. No entanto, é a partir do hiato que podemos observar tendências gerais e nos debruçar sobre as estruturas problemáticas que tem como evidência a aversão a política nas universidades, nos locais de atuação profissional e dentro do próprio Conselho.
Desde já, um parêntese precisa ser posto: política aqui é vista enquanto práxis, isto é, a partir de um movimento dialético entre teoria, organização política e prática. O motivo deste parêntese é justamente a certeza de que muito se discute sobre política e sobre as relações da Psicologia com a política no âmbito universitário, inclusive existindo linhas de pesquisa em pós graduações no Estado.
O que quero apontar, sobretudo, é o desenvolvimento de uma “não-prática”, isto é, de uma tendência a não dialética e consequentemente uma “não materialização” da teoria a partir da realidade concreta, da organização política e na prática profissional. Ou seja, apontar para a existência de um estudo político que não têm servido para gerar nenhum tipo de movimentação que satisfizessem às demandas de organização profissional e da classe trabalhadora em geral.
A construção que prevalece, hoje, nos espaços da Psicologia não é apenas o que já criticamos desde o século passado (individualismo, psicologismo, distância da realidade concreta da população, distância das classes mais pobres, etc). Hoje, o problema vai além e é mais enraizado do que poderíamos imaginar.
Trata-se de uma modelo hegemônico de fazer e pensar a Psicologia que têm como pressuposto o neoliberalismo mais conservador e retrógrado possível, que, apesar dos esforços espontâneos e pouco organizados de muitos colegas, não chegam aos “centros de comando da categoria”, que, no caso de Alagoas, está no Conselho Regional e nas Faculdades de Psicologia.
É claro e oportuno dizer, no entanto, que as tentativas frustradas dos colegas críticos em propor novas formas de fazer Psicologia no Estado de Alagoas tem um contexto que é além de suas fronteiras: isto é, se estende nacional e internacionalmente.
A ofensiva neoliberal que se inicia nos anos 80, com o fim do Wellfare State e a Queda do Muro de Berlim chega a América Latina após uma sequência de duros golpes de Estado e de retrocessos na organização da classe trabalhadora.
Com a retomada “democrática” e o crescimento dos movimentos sociais e partidos de Esquerda foi possível pensar formas alternativas de Psicologia, mas que, com suas boas intenções e propostas progressistas, não encontraram, por muito tempo, o caminho para a hegemonia política e ideológica nos espaços de “comando”. Aqui encontram-se as condições históricas para o desenvolvimento desta tendência conservadora.
Não é um fato antigo a disputa do Conselho Federal de Psicologia por grupos ligados a Direita e ao bolsonarismo. Pautas como cura gay e a cruzada contra a “ideologia de gênero” moveram estes movimentos nesta direção no mínimo problemática para uma profissão que tem como base a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Já no contexto local, o silêncio é ensurdecedor! O Conselho Regional, como uma autarquia de representação profissional dos psicólogos de Alagoas não discute a realidade local sob a alegação de que não é um “órgão promotor de conhecimentos”, mas, no entanto, promove vínculos com instituições privadas de graduação e pós-graduação em Psicologia. Além, é claro, de levantar como opção “agradável” um imenso catálogo de facilidades de consumo aos seus profissionais associados.
A imensa desigualdade que configura as relações entre classe sociais em Alagoas é o retrato da violência ostensiva e da expropriação que tem como base político-cultural a oligarquia agrária. Seguindo o espírito dos donatários e dos senhores do açúcar, a lógica do latifúndio é reproduzida a todo vapor nas relações sociais e políticas onde o medo, o absurdo e violência se somam à extrema pobreza gerando um dos piores Índices de Desenvolvimento Humano do país.
Na faculdade, entretanto, nada de história, nada de política, nada de crítica. Se já é natural não conhecermos a história de Alagoas, por qual razão conheceremos a história da Psicologia em Alagoas? A quem serviria a memória se não for conveniente as classes dominantes e perpetuação de determinados grupos no poder?
Em Alagoas, o apagar da história tem sentido. E não preciso dizer que tem lado, que tem substrato político da classe dominante mais vil em cinismo e saudade dos tempos da escravidão. A história é o panfleto, a propaganda e agitação contra o poder estabelecido sobre intensa exploração, ratificado no fatalismo que a desigualdade gera.
Não sabemos o tempo de ouro da Psicologia em Alagoas, assim como não sabemos seus piores momentos. Restamos deixar ao presente o melhor, o pior e os caminhos que ainda precisam ser trilhados por quem não aceita o padrão. Destarte, não é de se espantar que tamanhas dificuldades coloquem a Psicologia como ciência e profissão secundária na promoção de políticas públicas em tempos de desmonte de Estado.
O que espanta é a extrema distância entre os que conhecem e aqueles que ainda não tiveram oportunidade de conhecer o psicólogo e suas possibilidades enquanto profissional, é a incapacidade de ouvir a sociedade que fala de suas chagas históricas em cada esquina das cidades e dos campos alagoanos. É a incapacidade de avaliar as inúmeras personalidades negras, brancas e índias que compõe cores e sabores deste chão de dores.
O fato é que “Psicologia Crítica” não pode ser apenas um nome legal de dizer, uma alternativa “do momento” para se contrapor à hegemonia de maneira difusa e pouco profunda.
Quem se incomoda com a crítica e está acostumado a titularidade de uma docência e prática profissional sem práxis, fora da realidade sócio-histórica e pouco significativa para o povo, já caiu no limbo do sucesso para si mesmo e agora pode ostentar fotos em cafés na Europa, lattes gordos mas pouca presença concreta. Aqui só floresce o culto de discípulos fieis, que veneram mestres ascéticos, sem viço e privados de utopia.