O Apocalipse da Educação no Brasil

Janaína Spolidório- Educadora

Imagine vários grupos diferentes. O grupo A sofre graves problemas de orientação, não sabe qual rumo tomar para chegar onde precisa e os caminhos que tomam revelam armadilhas incessantes. O grupo B percebe que não consegue continuar sua jornada no caminho que deveria e desiste de tentar.

Um terceiro grupo, o C, ainda em treinamento, recebe informações que fogem da realidade que irão enfrentar quando estiverem “em campo”. O grupo D enfrenta um campo minado e recairá sobre ele total responsabilidade se houver
falhas em suas estratégias.

Este cenário poderia facilmente ser parte de um dos muitos filmes que retratam o que aconteceria se vivêssemos um APOCALIPSE. Infelizmente, o cenário retrata, na verdade, a educação no Brasil.

O grupo A são escolas, coordenadores, professores e outros profissionais relacionados à educação que estão tentando lidar com um documento chamado BNCC ( Base Nacional Comum Curricular ) que tinha a intenção de regular um mínimo de aprendizagem nas escolas, mas em lugar disso acabou trazendo mais dúvidas do que respostas.

O grupo B são jovens que acabam desistindo dos estudos no Ensino Médio, porque quando participaram do grupo D tiveram defasagem na aprendizagem e a carregam até o momento. Já sem esperanças, cada vez mais jovens viram estatística no histórico de evasão escolar do país.

O grupo C são professores em formação, que são preparados para uma escola que não existe, com alunos que são utópicos e aprendem a usar estratégias ultrapassadas, que não têm relação com a necessidade que seus alunos terão, quando estiverem em sala de aula.

Finalmente, o grupo D, são todos os envolvidos no processo de alfabetização. O Brasil nunca esteve tão perdido neste quesito quanto nos últimos quatro ou cinco anos. Atualmente temos um índice assustador de crianças que não conseguem ser alfabetizadas na idade considerada ideal e temos também aquelas que parecem ser alfabetizadas, mas não conseguem interpretar textos simples, apenas decodificam letras para leitura.

Poucas chegam a um nível satisfatório de alfabetização. Métodos milagrosos, falta de formação, orientação falha, estímulo insuficiente na Educação Infantil e utilização de recursos ultrapassados são alguns itens que contribuem para o panorama.

Para completar este obscuro cenário educacional, nos primeiros meses de 2019 tivemos várias entradas e saídas no Ministério da Educação, o que contribui para impactar ainda mais o cenário apocalíptico em que a educação se encontra.

Cada vez que alguém entra ou sai o mundo da educação “hiberna”.

Em meio a período de implantação de uma Base Nacional e vários programas de governo que têm impacto tanto em redes públicas quanto particulares, isso é preocupante.

É como se a educação ficasse em uma espécie de transe. No caso da BNCC, em especial, há o documento, mas não há um “faça isso, faça aquilo” que dê uma orientação, é muito extensa e pouco prática, chega a ser generalizada e possui um sem-número de falhas. Muitas escolas estão em processo de implantação de algo que não receberam orientação adequada.

Como fazer um plano baseado na BNCC? Devo ensinar somente o que está lá? Como divido os conteúdos? Na Educação Infantil devo retirar as carteiras da sala? Sim, são dúvidas reais, que estão se perguntando incessantemente
enquanto quem deveria orientar é envolvido em escândalos e situações constrangedoras dentro do que deveria ser um dos ministérios mais estruturados do país, afinal, falamos de educação…

A tão polêmica reforma do Ensino Médio que nos persegue desde o governo Temer então, virou seriado! Não sabemos se será lançada a segunda temporada e nem quando.

A intenção do projeto tem méritos e deméritos, como se espera de uma alteração sempre, ainda mais desta magnitude. O fato de ser uma tentativa de manter a esperança dos alunos do Ensino Médio antes que haja uma maior evasão é válida; por outro lado, se for uma implantação sem-rumo como tem ocorrido com outros projetos ou programas, será mesmo que valeria a pena investir em uma segunda temporada? Fica aqui a dúvida…

Certamente há muito mais envolvido do que meramente o que foi descrito até aqui e a obscuridade da situação, mesmo com um bom resgate de estrutura na área de Educação é profunda. Bastante provável que levemos anos, até décadas, para conseguir trazer de volta o que se espera ou pelo menos um pouco do que se espera.

Como todo bom apocalipse cinematográfico, sempre há sobreviventes. Há sim os professores que buscam uma melhor formação e encontram novas maneiras de driblar o que não recebem de orientação. Há outros profissionais que seguem com passos firmes em suas jornadas diárias, ajudando casos específicos ou grupos menores, que conseguem ter êxito.
Assim como há profissionais em campo que conseguem ter sucesso mesmo em tempos de crise educacional, certamente há aqueles que conseguiriam sim dar uma guinada na situação e começar a reverter o quadro.

Cabe a nós esperar que sejam logo encontrados, pois o tempo não volta atrás.

Ações simples, sem tanta pompa e burocracia podem ajudar imensamente a dar um rumo melhor. Em vez de se preocuparem, por exemplo, se uma avaliação deve ou não ser aplicada na alfabetização, como ocorreu recentemente, por que não buscar programas que realmente resolvem e trabalhar para que os alunos cheguem ao objetivo da avaliação? Por que não usar uma equipe bem qualificada ( e alinhada! ) para investigar causas da crescente falha na alfabetização e propor ações que possam amenizar, ainda que minimamente, o problema?

Todos os problemas têm uma solução, ainda que de longa data. O que não podemos é continuar aceitando que um Ministério tão vital ao avanço da população e do país, como um todo, e uma área essencial à formação das pessoas para uma melhor sociedade demonstre imaturidade, irresponsabilidade, desestruturação e falta de visão, como tem sido recorrente em 2019.

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