O apartheid digital da educação pública em Maceió

Ana Sobral é estagiária de direito do Cedeca Zumbi dos Palmares.
Arthur Lira é advogado do Cedeca Zumbi dos Palmares.

“Professora, bom dia, gostaria de saber como faço para que os meus filhos acompanhem as aulas? Tenho cinco filhos que estão matriculados e um celular que é do meu marido, que só está em casa na parte da noite.”
O diálogo em epígrafe, entre uma mãe e uma professora, no inicio das aulas virtuais da rede pública municipal de educação em Maceió, apenas revela “a ponta do iceberg” do aparheid digital de milhares de crianças e adolescentes maceioenses.

A pandemia do coronavírus aprofundou as desigualdades na sociedade brasileira, ampliando o quadro de graves violações de direitos humanos: o país retornou ao mapa da fome, os ricos estão cada vez mais ricos, os pobres cada vez mais pobres; a violência doméstica tornou-se uma epidemia dentro da pandemia, a cada seis horas, uma mulher morre no Brasil vítima de feminicídio; os crimes de ódio contra a população LGBTQIA+ crescem exponencialmente, os assassinatos de pessoas trans cresceram 70%.

Concomitantemente ao aumento dessas e outras violações de direitos humanos registradas, mormente, contra os grupos vulneráveis (povos indígenas, negros, quilombolas, idosos, pessoas com deficiências, adeptos das religiões de matriz africana etc), ocorre uma silenciosa, invisível, e, portando, gravíssima violação de direitos humanos contra as crianças e os adolescentes. Referimo-nos à negação ao direito humano à educação, pela impossibilidade real do acesso as aulas virtuais, por milhares de alunos da rede pública municipal de ensino.

O apartheid na educação pública em Maceió, que já era histórico, segundo levantamento realizado em 2017, pela 28ª Vara Cível da Infância e Juventude da Comarca de Maceió: 135 mil alunos ficaram fora da sala de aula, porque não conseguiram se matricular na rede de ensino, sendo que destes 46.236 tinham entre 6 e 10 anos, e, agora, com a necessidade do acesso a internet e equipamentos eletrônicos para assistirem as aulas, essa exclusão educacional será enormemente ampliada.

A decisão da Prefeitura de Maceió de iniciar as aulas virtuais, sem apresentar um plano concreto de inclusão digital dos alunos e professores, assegurando às condições mínimas de capacitação, acesso a internet e aos equipamentos, faz letra morta ao direito à educação das crianças e dos adolescentes albergado na CF/1988 e em diversos instrumentos internacionais de proteção aos direitos humanos, a exemplo do da Declaração Universal dos Direitos Humanos e da Convenção Internacional Sobre os Direitos da Criança, condenando as gerações futuras de Maceió a uma espécie de pena perpétua de viverem sob as condições de miséria e pobreza.

Por tudo isso, o Centro de Defesa dos Direitos Humanos Zumbi dos Palmares, irresignado com essa perversa forma de apartheid digital, que sonega as crianças e os adolescentes o direito humano à educação e ao futuro, irá protocolizar, na próxima segunda-feira, uma representação no Ministério Público Estadual, requerendo providências urgentes para fazer cessar a continuidade da violação ao direito humano à educação na cidade de Maceió.

Uma resposta

  1. Sou professor de História da secreetário secretaria estadual da educação. Muito interessante a matéria . Vejo e sinto isso semanalmente no meu trabalho.

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