Nova estratégia para números inquietantes

Essa condição de simples fornecedor de commodities ao mercado global seria obstáculo para uma estratégia nacional de sustentabilidade a longo prazo

Washington Novaes – Estadão

O noticiário é inquietante: órgãos da indústria  preveem que ela poderá arrefecer sua atividade em 2012 (Estado, 1.º/2),  depois de só havê-la expandido 0,3% em 2011 (10,5% em 2010). A  sobrevalorização do real e a crise europeia são arroladas entre as  causas. E na melhor das hipóteses o setor industrial poderá crescer 2,8%  em 2012, ante 3,3% dos serviços e uma taxa geral de 3%. O emprego  industrial, diz o IBGE, só aumentou 1% no último ano, ante 3,4% em 2010;  e no último trimestre decresceu 0,4%, depois de sete trimestres  positivos. Tudo isso apesar de o ministro da Fazenda prever um  crescimento do PIB de 5%, embora admita que com a crise na Europa poderá  ser de apenas 4%.

Mas não é só. A “invasão asiática” tem levado o  Ceará, por exemplo, a passar de exportador de produtos desse setor a  importador (Estado, 4/1) – ao lado dos calçados e celulares. Estamos até  importando etanol dos Estados Unidos (11/1). Os temores estendem-se à  área da siderurgia e ao “risco de desnacionalização” representado pelas  tentativas de China e Índia de entrarem no mercado interno (6/1). E  ainda se pode somar o problema da redução da demanda europeia, com a  queda de 0,3% no último trimestre de 2011.

Uma análise do  Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea, 3/2) agrega questões  como a de o crescimento econômico nacional, em uma década – 2000-2009 -,  evidenciar-se como muito dependente de atividades com uso intensivo de  recursos naturais, principalmente na agropecuária e no extrativismo – de  baixo valor agregado e com reduzido efeito multiplicador sobre o  restante da economia. Essa condição de simples fornecedor de commodities  ao mercado global seria obstáculo para uma estratégia nacional de  sustentabilidade a longo prazo.

Na verdade, o problema maior  apontado nas análises é a falta de inovação tecnológica. Os gastos com  pesquisa e desenvolvimento no País foram de apenas 1,19% sobre o PIB de  2009, enquanto no Japão se traduziam em 3,45%; na Alemanha, em 2,86%. O  baixo investimento reflete-se, por exemplo, no número de pedidos de  patentes depositados nos EUA em 2009 por outros países: Japão, 81 mil;  China, 7 mil; Brasil, 464.

No conjunto, apesar do otimismo do  Ministério da Fazenda, o Banco Central, depois de calcular a expansão do  PIB brasileiro no ano passado em 2,72%, prevê para este ano algo em  torno de 3%. O contra-ataque viria do governo federal, na proposta  (Estado, 5/2) de quatro medidas provisórias para estabelecer regimes  tributários especiais que facilitem a importação de máquinas capazes de  produzir aqui equipamentos de alto conteúdo tecnológico em áreas como as  de semicondutores, TV digital, telecomunicações e computadores  pessoais. Mas não é simples. Há tréplicas sobre a mesa, como as da União  Europeia e de vários países, que pedem na Organização Mundial do  Comércio (OMC) o fim da isenção local de Imposto sobre Produtos  Industrializados (IPI) para montadoras de veículos. As restrições locais  também têm levado a altas do IPI para carros importados e quedas nas  vendas (40,5% em janeiro).

O próprio Ipea não acredita que medidas  emergenciais na área tributária enfrentem a questão. Na sua Conjuntura  em Foco (Estado, 17/12), segundo o analista Celso Ming, esse órgão  afirma que “a indústria brasileira enfrenta problemas sistêmicos de  competitividade”. Não se trata – diz a análise – de “concorrência  predatória da China, nem força demais dada ao agronegócio, nem descaso  da política industrial. É falta de competitividade”. Tanto que de 2005 a  2011 a participação de produtos manufaturados no total das exportações  brasileiras caiu de 55,1% para 36%. Muitos problemas são mencionados,  como a qualidade da infraestrutura, a carga tributária, o nível de  qualificação da mão de obra, entraves burocráticos, estratégias de  preços, política para a inflação, estímulos à demanda interna. Mas, para  o comentarista, o centro da questão está na excessiva valorização do  real e no “enorme” custo Brasil.

São muitas as controvérsias. O  Fundo Monetário Internacional (FMI) revê a projeção de crescimento da  economia mundial para este ano (de 4% para 3,25%) e para o Brasil  (agora, 3%). E lembrando que, se as indústrias intensivas em tecnologia e  conhecimento respondem por mais de 30% do PIB norte-americano e 23% do  chinês, no Brasil não chegam a 4,6% as exportações de alta intensidade  tecnológica (eram 7,4% em 2005).

A revista da Universidade de São  Paulo sobre ciência, tecnologia e informação (março a maio de 2011)  mostra como é lento o crescimento do dispêndio nacional em pesquisa e  desenvolvimento, que era de 1,04% do PIB em 2001, caiu para 0,9% em 2004  e chegou a 1,19% em 2009.

Por outras vias, há quem pense que o  caminho brasileiro não se restrinja a inovações em tecnologia, e sim que  tenha de passar também por uma inflexão radical, rumo a nosso fator  estratégico mais forte: a área da biodiversidade. Até mesmo porque,  embora detenhamos uma grande parte do acervo planetário de espécies, de  1996 a 2006 nossas exportações de plantas medicinais, por exemplo, só  aumentaram 6%, enquanto as importações dessas mesmas espécies cresceram  40% e tivemos déficit comercial inacreditável – num mercado mundial de  US$ 250 bilhões anuais. E sem inovação tecnológica em nossos produtos.

Mas  para caminhar nessa direção a evolução de nossas políticas terá de ser  radical. Poderia ser um bom começo o projeto em tramitação na Câmara dos  Deputados que cria o “PIB verde” – para que o IBGE considere nas contas  nacionais o patrimônio ambiental e as atividades a ele relacionadas. Há  umas duas décadas, Robert Costanza e um grupo de cientistas na  Universidade da Califórnia calcularam em três vezes o PIB mundial, em um  ano, o valor dos serviços prestados gratuitamente pela natureza  (fertilidade do solo, regulação hídrica e climática, etc.) se tiverem de  ser substituídos por ações humanas.

Se o mundo caminhar nessa direção, como produto da crise planetária, a perspectiva brasileira poderá ser extraordinária.

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