O elemento discursivo é fundamental e o poder sabe disso. Muitas vezes, para quebrar um discurso de autonomia o poder se esquiva e gera um discurso dúbio, falsamente contemporizador e burla a força de convencimento do outro, pegando o indivíduo pela emoção do olhar, que é mais impulso do que análise.
Assim foi tecido o berço da frase política: Dia da Consciência Humana, para contrapor ao Dia da Consciência Negra!
Quem é de família branca não consegue imaginar o peso da cor na história e na luta das pessoas negras, e adere facilmente ao tal “Dia da Consciência Humana”, que à primeira vista soa mais democrático.
Até mesmo pessoas negras que ainda não desenvolveram a autopercepção com identidade étnica, acha aprazível “humanizar” todo mundo e assim desracializar, findando a dor do racismo que maltrata. Infelizmente, racismo não é somente uma maldade humana, é um posicionamento de força política, econômica, cultural.
Racismo estrutura desigualdades calculadas e muitos lucram com sua manutenção.
O poder é sagaz! Ele mapeou nossos instintos, e sabe da fragilidade das nossas opiniões perante um chavão ou imagem apelativa.
Conhece a insipiente elaboração do humanismo comum, e se utiliza deste senso para barrar o crescimento de mentalidades maduras, capazes de empoderar racialmente; única forma de enfrentar o racismo como sequela vergonhosa da construção social brasileira, e garantir territórios legítimos de igualdade de acessos.
O Brasil está em pleno retrocesso das mentalidades e avanços das mazelas separatistas, mas o 20 de novembro é resistência identitária, é luta, é reafirmação da representação guerreira contra a escravidão. Mas desde o tempo de políticas afirmativas em pleno vigor que a frase tendenciosa grassava pelas vistas nossas de cada dia, fisgando muitos bons corações com seu convite ao humanismo conivente.
Se queremos mesmo celebrar a “Consciência Humana” que todos os dias nos oportunizem este exercício de alteridade, sem contudo, nos autorizar a diminuir o efeito da luta que o “Dia da Consciência Negra” carrega, em respeito à ancestralidade e a todo sangue derramado para aplacar a sede do mando, representada pela Casa Grande, símbolo de dominação, exploração, subjugação e morte dos pretos.
Sim, precisamos gritar nossa fome de história, de conhecimento sobre nós mesmos.
Dia da Consciência Negra ainda não foi explicado a contento para o Brasil, e a resistência preta há de ser maior na elaboração discursiva, pois saímos das políticas afirmativas para uma nação fascista, com um click na urna eletrônica.
Porém, não será o fim. Para quem nunca foi fácil, resistir é apenas a sequência do ato.
Axé Brasil!