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Mulheres, Fadas e Trancosos.

Revelo um segredo de bastidor na criação do livro “Etnotrancoso alagoano: colóquios não autorizados”; pois o resultado me trouxe uma surpresa, coisa do tipo não intencional que brota por força própria no contexto, sem escolha da autora, que no caso fui eu mesma.

Falo da condição feminina expressa nas histórias!

A mulher no tablado da alagoanidade interiorana e as múltiplas representações do feminino estrutural.

Acordei pensando nas mulheres que a literatura me trouxe, algumas entrando em meu imaginário antes da hora, como leitora precoce que fui, desbravando estantes abandonadas, onde as pessoas adultas depositavam livros para fazer volume.

As primeiras vieram princesas, e Chapeuzinho Vermelho com sua busca por flores e desobediência a arriscar vidas, Rapunzel que sempre me pareceu um problema por ter tão longas tranças pelas quais outras pessoas poderiam escalar paredes e a azarada Bela Adormecida punida com um sono secular por motivo torpe, me prepararam o solo fértil da imaginação, junto a outras princesas, para encontros mais sólidos com Iracema, Helena, Lucíola e até mesmo com Lolita e Cristhiane F.

Mulheres que me ajudaram a elaborar perfis agradáveis ou não ao meu próprio gosto, com tendência à subversividade.

Mas foi a vida real quem chutou meu traseiro rumo aos papéis que deveria cumprir.

Na imaturidade do rompimento com as tradições me vi jogada nos braços pegajosos de cada uma delas, e de promessa virei ré confessa.

Mulher, esposa, mãe, trabalhadora, religiosa, sindicalizada, tudo certo!

Em volta de mim, mulheres terríveis no ofício de conter impulsos e indignações, e nestes exatos momentos eu poderia morrer sem causar desgostos a ninguém.

Um sonho terrível me salvou!

Psiquismo, espiritualismo, curandeirismo, socialismo…viva as forças que rompem concretudes e nos permitem libertar!

Era meu enterro aquilo que presenciava. O caixão sendo levado por pessoas cabisbaixas e o arrastado de chinelos ecoando em meus ouvidos. Eu estava sendo levada ao túmulo!

Acordei em susto e determinação, resolvi enfrentar as verdades que me matavam.

A vida me replantou na Universidade, onde estive livre para conhecer a Simone e as tarefas de ser O Segundo Sexo. Resgatei em memórias comparativas a Catherine Earnshaw de Morro dos Ventos Uivantes e a Ana Karenina, mulheres que carregava comigo, com profundo ranço de sofreres amorosos com timbres sociais.

A Tracy Whitney de “Se houver amanha” me parecia mais motivadora, porque se transformara em uma ladra perfeita! Mas se burlar um sistema já era difícil, como poderia entortar a natureza tanto assim?

Grandes mulheres entraram em meus ouvidos para chegar também ao coração, libertando a identidade, uma verdade atrapalhada por todos aqueles que me amavam!

Mercedes Sosa e sua latinidade, acolhida em meus desejos de cigarra.

Cresci conflituosamente, e nada ajudou a amenizar as rupturas. Mulheres traziam bandeiras, e muitas delas eram detestáveis, porém, as que amei, foram e são instrumentos de cura para as feridas que as escolhas trouxeram.

Olho para todas elas com carinho indescritível, aqui nestes escritos. Não posso citá-las todas para não ferir com excessos a estética das linhas, mas são inúmeras, desde sempre atuantes em cada ser.

Etnotrancoso me debulha estas mulheres e suas lutas ontológicas, na quebra dos cristais e surgimento das fortalezas.

Eu sou um pouco delas e as tenho nestas palavras, hoje com muito menos aderência, deixando-as e seguindo meu caminho escolhido, com flores e espinhos conhecidos.

Elas aqui estão. Elas também seguirão. Somos todas capazes de escolher ir ou ficar.

Contos de Fadas não existem mas Trancoso, desse eu não posso duvidar!

 

SOBRE O AUTOR

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