Muito barulho a respeito da Grécia

Que a Grécia possa, de fato, sair da região do euro, agora é algo que está longe de ser inimaginável

Martin Wolf- editor e principal comentarista econômico do FT-Valor Econômico

Por que a Grécia – um país com pouco mais de 2%  do Produto Interno Bruto (PIB) da região do euro – causa tantas dores de  cabeça? Diariamente, pessoas em lugares tão distantes como Pequim e  Washington leem notícias sobre promessas não cumpridas e condições não  honradas. Não seria melhor, devem se perguntar essas pessoas, deixar que  a Grécia fique inadimplente e saia da região do euro, em vez de  continuar dispensando tanta atenção às suas mazelas, em grande parte  provocadas pela própria Grécia?

Que a Grécia possa, de fato, sair  da região do euro, agora é algo que está longe de ser inimaginável. Em  informe divulgado na semana passada com coautoria de Willem Buiter, o  economista-chefe do Citigroup e ardoroso defensor do projeto do euro  julga que a probabilidade de uma saída da Grécia nos próximos 18 meses é  de até 50%. “Isso principalmente porque consideramos ter ocorrido uma  queda considerável na disposição dos credores da região do euro de  continuar fornecendo mais apoio à Grécia, apesar do país não ter  cumprido o programa de condicionalidade.” Os autores também acreditam  que os custos para a região do euro com uma saída da Grécia são menores  agora do que antes. A probabilidade de que se permita essa saída,  sugerem, aumentou de forma correspondente.

Vamos levar em  consideração as questões que qualquer pessoa sensata deveria se  perguntar sobre as tensas negociações com a Grécia.

Um pequeno  país, economicamente frágil e cronicamente mal administrado, causou  tantas dificuldades. A Grécia é o sinal de alerta, o canário que foge ao  sentir perigo na mina. O motivo para tantas dificuldades é que as  falhas do país são extremas, mas não exclusivas.

Primeira, será  que a Grécia pode chegar a um acordo com os credores sobre a  reestruturação das dívidas ou o “envolvimento do setor privado”; a um  acordo com a “troica” – a Comissão Europeia, o Fundo Monetário  Internacional (FMI) e o Banco Central Europeu (BCE) – sobre a  participação deste último; e a um acordo com os credores governamentais e  multilaterais sobre um segundo resgate financeiro? Será que tudo isso  pode dar-se antes do próximo resgate de bônus, em 20 de março?

A  probabilidade é de que sim. Caso positivo, uma inadimplência desordenada  seria, no mínimo, adiada. É possível identificar três motivos para esse  desfecho: apesar da ira popular, os políticos gregos concordam de forma  esmagadora na vantagem de continuar dentro da região do euro; apesar da  desconfiança, a esta altura, generalizada, os detentores do poder na  região do euro temem um calote desordenado e o provável abandono da  moeda pelo país; e, por fim, o FMI acredita que um programa baseado em  reformas estruturais profundas – e não em mais retração fiscal maciça ou  privatizações precipitadas – possa funcionar, pelo menos, na teoria.

Segunda  pergunta, há probabilidade de que um programa assim funcione bem de  alguma maneira? A resposta é “não”, como destacou o informe do  Citigroup. “Isso porque, primeiro, é muito improvável que qualquer  reestruturação acertada leve a um endividamento geral do governo da  Grécia de 120% do PIB – objetivo declarado do segundo pacote de resgate  da Grécia – e, segundo, porque mesmo se por algum milagre, o governo da  Grécia conseguisse endividamento geral de 120% do PIB até 2020, isso  seria um […] encargo pesado demais para a Grécia carregar.” É quase  certo, então, que seria necessária uma redução ainda maior do  endividamento nos próximos anos, mesmo se tudo saísse perfeitamente bem.  E não sairá.

A Grécia teve progressos desde o início da crise,  embora em grande parte como resultado da austeridade. Seu déficit fiscal  primário (sem contar pagamentos de juros) encolheu de 10,6% do PIB em  2009 para uma estimativa de apenas 2,4% em 2011. É um grande declínio,  dada a escala da recessão. O governo grego agora está perto do ponto em  que precisará captar empréstimos apenas para rolar e cobrir o serviço  das dívidas, mas isso não é suficiente. A Grécia também ainda precisa de  entradas substanciais de moedas, para cobrir seu déficit em conta  corrente, mesmo se não levarmos em conta os juros externos sobre suas  dívidas governamentais. Em 2011, por exemplo, o déficit em conta  corrente, sem contar os juros sobre as dívidas do governo, ainda era de  4,6% do PIB, apesar da profunda retração.

Será que as reformas  estruturais vislumbradas vão gerar uma economia suficientemente dinâmica  e, acima de tudo, a melhora nas exportações líquidas necessária para  financiar as importações necessárias em uma situação próxima ao emprego  pleno? A resposta, apesar das melhoras na competitividade, é: não  rapidamente, mesmo se isso puder ser feito de alguma forma.

Terceira,  o programa é de interesse da Grécia? A elite política grega acredita  que sim. A alternativa – um calote desordenado e a provável saída da  região do euro – seria dar um passo rumo ao desconhecido. O país teria  de adotar e, então, operar controles cambiais pelo menos temporários.  Teria de lidar com uma enorme depreciação de um novo dracma e, então,  uma disparada da inflação. Teria de renegociar sua posição dentro da  União Europeia. E, por fim, sofreria grandes declínios no PIB e na renda  real. Será que tudo isso seria melhor do que resistindo? Provavelmente  não, mas como saber?

Quarta, será que o programa adicional grego  seria de interesse do resto da região do euro e do mundo? A resposta é:  provavelmente sim, mas não certamente. Os argumentos a favor são de que a  inadimplência desordenada da Grécia, combinada ao abandono do euro,  ainda poderia gerar pânico em outros países da região do euro e que os  custos para se evitar isso, ajudando a Grécia, não são grandes, em  comparação aos custos que seriam decorrentes de tal desordem. Os  argumentos contra essa posição são de que a região do euro tem os meios  para impedir a disseminação de pânico mesmo depois de um desmoronamento  da Grécia, particularmente se o BCE e os governos estiverem dispostos a  agir de forma decisiva em resposta a qualquer corrida aos bancos, ou  governos, em outros países. Outro argumento contrário, que não deve ser  muito negligenciado, é que seria melhor acabar com a pretensão de que os  programas da Grécia funcionarão e, portanto, deixar claro que os  fracassos têm consequências.

Por fim, o que o épico grego nos diz  sobre a região do euro? A Grécia por si só, embora um importante agente  perturbador, não pode ser decisiva para o futuro da área cambial. Porém,  o fato de que um pequeno país economicamente frágil e cronicamente mal  administrado possa ter causado tantas dificuldades também indica a  debilidade de toda a estrutura. A Grécia é o sinal de alerta, o canário  que foge ao sentir perigo na mina. O motivo para ter provocado tantas  dificuldades é as falhas do país são extremas, mas não exclusivas. Seus  transtornos mostram que a região do euro ainda busca uma mistura viável  de flexibilidade, disciplina e solidariedade.

A região do euro é  uma espécie de limbo: não tem uma integração tão profunda a ponto de uma  separação ser inconcebível, nem tão superficial a ponto de uma  separação ser tolerável. Na verdade, a garantia mais forte de sua  sobrevivência é o custo que uma separação teria. Talvez isso prove ser  suficiente. Se a região do euro, no entanto, quiser ser mais do que um  casamento infeliz mantido pelos custos assustadores de separar ativos e  passivos, precisa desenvolver algo muito mais positivo. Tendo em vista  as divergências econômicas e fricções políticas reveladas de forma tão  incisiva por esta crise, será que isso agora é possível? Essa é a  pergunta mais difícil de todas. (Tradução de Sabino Ahumada)

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