Marcelo Henrique: O direito à paz

Marcelo Henrique

“Ao som dos alarmes
Homens e mulheres armados
Cães e crianças brincando com armas
A paz com todas as forças

A paz é inútil para nós
A paz é o que não podemos ter
Que a paz esteja com você”

(“A paz é inútil para nós”, Paulo Miklos – Titãs)

A poesia musicada cujo trecho selecionamos acima reflete o nosso estado de Espírito nesta terceira década do século XXI. A insegurança em nossas sociedades e a paz quase sempre como uma utopia.

Em dias de tanto progresso científico e tecnológico, ainda nos vemos envoltos nos cenários de intransigência e intolerância que são visíveis e que, por vezes, nos alcançam. Seja, antes, em espaços conviviais presenciais e, mais agora, em face da pandemia, em plataformas virtuais de redes sociais, percebe-se uma paz ainda distante.

E, como se não bastasse as dificuldades conviviais, entre indivíduos e grupos sociais, estamos experimentando, em face das democracias e das eleições periódicas, o reaparecimento de ideologias conservadoras e centralizadoras ou, em muitos casos, ameaças à própria constitucionalidade democrática.

Os regimes e doutrinas neoliberais, inclusive, dão nítidos sinais de esgotamento e de inaptidão para a satisfação das múltiplas necessidades individuais e do respeito, em relação a todos os cidadãos, dos mínimos e já garantidos direitos e garantias fundamentais. Torna-se essencial, então, neste quadrante temporal, refutar as diretrizes tanto políticas quanto ideológicas da chamada escola neoliberal.

Muitas das receitas tradicionalmente empregadas pelos Estados nacionais têm convergido para ministrar uma receita de sabor bem amargo, direcionadas, quase que exclusivamente, a buscar soluções econômicas para grandes conglomerados e alimento para o apetite incontrolável dos governos, deixando de lado, para a imensa maioria, o alcance dos direitos de primeira geração (direito à vida, à liberdade, à propriedade, à liberdade de expressão, à participação política e religiosa, à inviolabilidade de domicílio, à liberdade de reunião, entre outros). Carece-se, ainda e sabe-se lá por quanto tempo, da efetiva salvaguarda de sua execução e positividade.

Cumpre mencionar que, mesmo sob aparência de legitimidade constitucional e eleitoral, podemos estar diante de uma ditadura constitucional, expressa em condutas daqueles que exercem os poderes republicanos, que os tornam verdadeiros genocidas das Cartas Magnas e agentes que deflagram crises ou golpes de Estado, realidade muito presente em nossa ainda frágil democracia tupiniquim.

Esta ditadura, como todas as demais, é inaceitável, e muito mais porque se ancora na aparência de constitucionalidade, utilizando ferramentas procrastinatórias ou expedientes precários ou extraordinários (quando se toma a exceção pela regra, como no caso das Medidas Provisórias no ordenamento brasileiro). Voltamos a governar por decreto, como outrora, em tristes tempos de chumbo no país verde-e-amarelo. É o arbítrio – seja do Executivo, seja do Legislativo – em sua quintessência.

A paz social torna-se impossível porquanto se baseia numa paz artificial que reina entre conchavos e acordos de governabilidade. A paz dos gabinetes, selada por centrões ou diálogos incompreensíveis, tem como resultados a lógica agredida, o bom senso contradito, a verdade negada, o sentimento ferido e a fé abalada. E, como desiderato, a justiça menoscabada ou minimizada, quando não anulada.

O Brasil é seu povo e sua nação. Não somos nem servos nem súditos! Somos cidadãos e exigimos respeito ao conjunto de direitos, individuais e sociais, enquadrados nas juridicamente conhecidas quatro gerações de direitos: direitos individuais, direitos sociais, direitos dos povos e direitos universais. E a paz está em todas elas.

Mas é preciso avançar, já que a mesma, embora presente, não obtém a garantia da sua efetividade social. Há que se falar, então, em uma quinta geração de direitos para consagrar, nela, o Direito Fundamental à Paz.

O seu alcance, a sua defesa, e as ações para concretiza-la e mantê-la, assim, são a representação de uma outra alforria, de caráter moral, espiritual e social, de indivíduos e de coletividades, assim como de todas as culturas que se entrelaçam em cada uma das nações e em todo o planeta.

Se, então, a paz é o sonho acalentado, ela reside na compreensão e na fraternidade e, em termos juspolítico, numa ética de governança para o futuro, que possa legitimar os atos governamentais e todas as relações de poder. Do futuro sim, mas a ser construída a partir do presente.

Para a paz é absolutamente imprescindível a justiça social e a justiça punitiva. Sob o apanágio da lei e da justiça (célere e ampla), a sociedade estará sob regência, sem exceções quaisquer, sob qualquer pretexto ou justificativa, para punir terroristas e fascistas, para julgar criminosos, encarcerar torturadores, recuperar valores públicos gastos indevida ou indiligentemente, convergindo para a inviolabilidade do pacto social republicano, com respeito a princípios e regras, constitucionais e legais. Não há paz sem Direito!

Sim, o que almejamos é a paz e, com ela, a compreensão e a fraternidade, mas com justiça social verdadeira e total. Como poetizou Beto Guedes (“Sol de Primavera”), “a lição sabemos de cor, só nos resta aprender”.

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