Marcelo Henrique: construindo a nova administração pública

Marcelo Henrique 

A Administração é uma Ciência em constante mutação e aperfeiçoamento. Aplicada ao contexto público, ou seja, intitulada Administração Pública, igualmente sofre transformações ao curso do tempo e segundo a aplicabilidade de dadas teorias ou modelos organizacionais. Autores vários, que se debruçam sobre a análise no curso do tempo e projetam o futuro costumam situar três contextos: 1) a administração pública convencional (ou velha administração pública); 2) a nova gestão pública; e, 3) o novo serviço público.

Interessa-nos, sobremaneira este último, que também pode ser denominado de Nova Gestão Pública. Neste cenário, o cidadão é considerado também como um cliente ou consumidor, a quem se concede o direito de fazer escolhas, exatamente como se ele estivesse diante dos negócios na esfera privada. Assim, suas bases ou categorias epistemológicas consagram a burocracia (organização) como sendo referência para a produção dos serviços públicos e o mercado como o melhor alocador dos bens públicos, embora quase sempre, quando o Estado atua diretamente a oferta de bens/serviços seja um monopólio. Somente quando ele confere aos entes privados (concessões, permissões ou autorizações), há competitividade e, mesmo assim, segundo regras estabelecidas pelo Poder Público. Exemplo disto são os serviços de telecomunicações e transporte, regulados por meio de Agências Reguladoras.

Há algumas críticas direcionadas a este modelo, por parte de especialistas, que entendem que a nova gestão pública recepciona uma espécie de descaracterização da esfera pública e da própria democracia, justamente porque se enfatiza a esfera privada em detrimento da esfera pública, uma vez que os fios condutores de uma gestão por resultados, acabam se transformando em práticas totalmente identificadas com a gestão privada dos negócios. E, vale dizer, o Estado não visa lucro e o resultado econômico-financeiro de uma atividade (ou, considerando o aspecto anual das prestações de contas) deve ser totalmente aplicado em benefício da população, o chamado interesse público.

Quando o Estado se concentra demasiadamente na “ambição” pelo lucro (resultado financeiro), a esfera pública acaba ficando à mercê da privada e o cidadão concentra seus objetivos não apenas na luta pelos direitos, e, sim, em função do resultado individual (proveito) que espera auferir, como fora um (mero) consumidor ou cliente. E isto fragiliza a democracia, justamente pela individualização excessiva. Se eu não obtenho nenhum proveito pessoal com dada luta ou reivindicação, então eu não me envolvo, fragilizando as pautas coletivas, sobretudo as que se dirigem à erradicação da indigência e miséria sociais, assim como os direitos de minorias (sociais). Esta “filosofia de mercado” que é o sustentáculo deste modelo, extravasa e se amplia na comparação entre promessas (eleitorais/governamentais) e resultados. E, como estes últimos esbarram em problemas como a ineficiência, a incompetência (de gestão) e os “ventos” dos mercados – sobretudo os financeiros, mundiais – conclui-se por sua inadequação e resta destacada a frustração do cidadão com governos e gestões públicas, uma vez que estes não lograram transformar nem as funções essenciais do Estado, nem a prática e a teoria de Administração Pública.

Estudos cada vez mais aprofundados e sustentados em pesquisas de campo têm apontado para a valorização da participação social (cidadania) em uma sociedade politicamente articulada. Merece destaque, assim, a ênfase dada ao ser humano, como ser único e multidimensional, já que possui a autonomia de análise livre de suas ações e é um animal, ao mesmo tempo, político, social e econômico.

Daí resulta o componente democrático de sua participação – que não se exaure nem se restringe ao direito de votar e ser votado –, já que o homem é, por excelência, o ser que necessita participar junto a seus pares e, ao mesmo tempo, realiza-se com a participação dos outros, no sentido de (re)construir a sua existência e a dos outros. Assim, a consideração dos seres humanos em posição legal e real de igualdade é o ponto a ser ressaltado, como busca das sociedades democráticas, superando a isonomia que é garantia teórica do quadro constitucional-legal da maioria dos países do globo, para converter-se e se expressar em equidade, recuperando ou constituindo os espaços e os programas verdadeiramente isonômicos.

Eis porque a equidade e a participação cidadã são os alicerces do Novo Serviço Público que garante ao ser humano a condição plena de ser, ele, um ser político que age na comunidade; e esta, politicamente articulada, requer como condição inafastável a participação do cidadão para a construção do bem comum, o qual precede qualquer busca pelo interesse privado. A participação cidadã, então, é variável importante na formação do (novo) administrador público, considerada a coparticipação e a corresponsabilidade do cidadão na produção de todo e qualquer bem público.

Para o Novo Serviço Público, as características são: a) servir aos cidadãos e não a consumidores; b) condicionar todas as ações (estatais) ao interesse público; c) conferir maior valor à cidadania do que ao empreendedorismo; d) pensar estrategicamente e agir democraticamente; e) ampliar o escopo e o alcance da “accountability” (controle social); f) servir ao cidadão, em vez de meramente controlar e dirigir a sociedade; e, g) valorizar as pessoas, para além do conceito e do resultado de produtividade (pública).

Quando, na primeira característica, se encampa os cidadãos e não os consumidores como meta de alcance, o foco se amplia do universo dos meros receptores de bens e serviços públicos para toda a coletividade, toda a sociedade, independentemente de estar utilizando ou usufruindo daqueles bens ou serviços.

O interesse público, idealmente considerado como o fim do Estado é novamente enfatizado, em supremacia em relação ao(s) interesse(s) privado(s).

Colocando a cidadania acima do empreendedorismo, é alterado o alvo de atuação das administrações públicas, que não privilegiam tanto, como em outros modelos, a questão do mercado ou das empresas, passando a destacar o alcance (efetivo) de cidadania por parte de todos os indivíduos.

Pensar estrategicamente e agir democraticamente implica o esforço no planejamento das ações estatais, por meio de instrumentos que possam permitir a participação social nos projetos e na execução de ações.

A “accountability” não é um conceito simples, porque implica a atuação com responsabilidade e ética, dentro das obrigações dos agentes envolvidos e com ênfase para a transparência na prestação de contas a toda a sociedade.

Quando o eixo da administração pública se desloca do mero controlar e dirigir a sociedade como um todo para o “servir” ao cidadão, tem-se a busca pela realização do múnus público, em que o bem comum possa ser não só a busca, mas a concretização efetiva e diuturna.

Por fim, ainda que se busque o equilíbrio das contas fiscais, a produtividade do Estado perde certa importância quando o escopo é o de valorização das pessoas e o respeito aos seus direitos, assim como a busca do alcance de suas necessidades, na vida em sociedade.

Os gestores públicos, por fim, neste complexo quadro, precisarão atuar muito mais na coordenação política, não-partidária ou meramente ideológica, bem além da formatação usual, presente na organização burocrática pública, para interagirem em todos os espaços sociais e políticos, desejavelmente articulados entre si. Por isso, é imprescindível o preparo e o investimento de coordenadores e líderes, por meio de escolas de gestão, para que estes possam, adiante, agir em sistemas de coprodução dos serviços públicos. Nesta formação, especialista, o administrador (público) deixará de ser um generalista, já que receberá conceitos e práticas múltiplos sobre antropologia, ciência política, sociologia e filosofia, áreas do conhecimento geral essenciais, assim como tópicos de liderança de redes (para a coprodução do bem público), permitindo-se, com isso, uma melhor compreensão da sociedade e da comunidade e suas complexas dimensões.

Eis o futuro que nos aguarda.

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