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Maniçoba, o prato quase esquecido, salvo por Pedro

Para que a comida não fique esquecida, precisa ter quem a cozinhe e quem a deguste, comendo seus símbolos culturais em um prato que nutre corpo e alma, na reprodução de cultura.

Assim é a maniçoba, na mesa do camaragibano na Sexta-feira da Paixão, onde no passado próximo era também um dia para não varrer a casa nem pentear os cabelos, em guarda de sacrifício pelo Cristo morto na cruz pela redenção do mundo.

Embora nossa compreensão do assassinato de Jesus passe pela responsabilidade do poder, sempre letal quando sente ameaças; respeitamos a visão e a versão religiosa que diz redimir os pecadores com o sangue de um inocente.

Fato inconteste é que o povo do norte alagoano é religioso e fiel à matriz portuguesa, mas celebra a data com alimento oriundo do cozimento indígena, temperado com o sabor da culinária negra.

Desse modo, a maniçoba é uma iguaria mestiça, como a maioria de nós o é, seja na morfologia fisiológica como nos conceitos de fé.

Contudo, o prato trabalhoso, exigente na confecção e tempo de feitura, está ficando esquecido e já pode ser considerado desconhecido pelos mais jovens.

O broto da mandioca precisa ser colhido com antecedência, e o embrenhado nos roçados não é tarefa fácil, embora ainda os encontremos na região, por certo diminuíram em quantidade, seja pelo avanço da monocultura canavieira que já transmuta significativamente na direção do eucalipto, seja pela espalhada da urbanização em áreas periféricas.

O escaldo, cozimento longo, são necessários para a retirada de substâncias, que embora os cozinheiros não saibam explicar, compreendem que podem fazer mal. Assim, entre mitos e verdades, a culinária preza pela segurança alimentar.

Quem trabalha três dias no mesmo prato, no cotidiano contemporâneo?

O Pedro trabalha. Conta com pouca ajuda, mas segue o ritual em homenagem às tradições familiares que herdou.

Se orgulha por ser procurado pelas pessoas saudosas do prato e confessa que a cada ano diz ser o último, mas não consegue segurar a emoção quando chega a data e volta a ser procurado, como uma referência mantenedora da culinária local.

Broto de macaxeira, feijão, amendoim, castanha de caju e temperos locais (com exceção do tomate), a maniçoba é cozinhada no fogão improvisado para receber o calor da lenha queimando no fundo do caldeirão, como os ancestrais faziam para grandes cozimentos.

A partilha da maniçoba é sagrada.

A contribuição financeira para a compra dos ingredientes também, pois vai longe no tempo o período em que tudo se colhia no quintal de casa.

Enquanto Pedro estiver de pé, a paixão por maniçoba estará salvando o prato do esquecimento.

Apaixonada pela iguaria, também estarei os que saciam suas saudades e juntam às mãos com o cozinheiro da coletividade em Matriz de Camaragibe.

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